domingo, 29 de julho de 2012

A Escalada do Terror em Moçambique

UMA EXPLICAÇÃO

A escalada do terror em Moçambique teve a conivência da Imprensa desde aprimeira hora, ainda antes da independência do país. Familiarizei-me com essacerteza e o primeiro título dado a esta reportagem foi «OS PRAVDAS DEMOÇAMBIQUE» — devido ao facto dos jornais moçambicanos, dominadospelo Governo de Transição, e depois pelo definitivo, se assemelharem, no espíritoe tendências, ao «PRAVDA» moscovita — optando, a seguir, por «AESCALADA DO TERROR». Mesmo assim, tornava-se necessário descrever,pois era o factor dominante de grande parte das situações, o ambiente dasRedacções moçambicanas, retratando, com a maior nitidez, o estado psicológicodos jornalistas portugueses que preenchiam os quadros redactoriais. Coloqueiem foco o «Notícias da Beira» por me encontrar mais intimamente ligado a este jornal, mas todas as minhas afirmações podem ser alargadas pelo leitor aosrestantes órgãos da comunicação social moçambicana, por todos eles se regerempela mesma batuta.Descrevendo o estado psicológico de cada um destesprofissionais de Imprensanão tento, nem desejaria tentar, dar uma possibilidade de busca de atenuantesao seu comportamento, mas sim, desmistificá-lo. Os crimes por eles cometidos — e por cada um individualmente — continuam crimes, por mais justificações quetentemos encontrar na ideologia marxista-leninista em que basearamtropegamente os seus actos. Essa é a razão por que dedico todas as páginas daPrimeira Parte deste volume ao ambiente redactorial moçambicano, comoprólogo à verdadeira Reportagem sobre alguns dos principais acontecimentosque ensombraram Moçambique, transformando a antiga colónia portuguesa doIndico numa verdadeira pátria de terror.Queria, porém, salientar que toda a actividade da Imprensa moçambicana foidirigida à distância por alguns membros da Frelimo, os mesmos que, cuidadosae trabalhosamente, foram moldando as ideias de Samora Machel — inicialmenteapolítico — pelas matrizes moscovitas. E a actividade foi-lhes fácil.Bastou-lhes colocar nas direcções dos jornais homens obedientes a Moscovo epreencher os quadros redactoriais com jornalistas imaturos, ou veteranosoportunistas, afastando tacitamente quantos podiam, de qualquer modo, voluntária ou involuntariamente, contrariar a conjura comunista. SamoraMachel caiu no logro e foi fácil acomodar nas Redacções jornalistasmercenários, bastando para tanto acenar-lhes com posições de destaque. Estavaencetado o caminho que facilitaria a estratégia conducente à vitória doimperialismo soviético na África Austral.Os factos descritos são reais na totalidade. Ou foram recolhidos na minhaexperiência profissional, ou retirei-os de depoimentos de gente idónea, sempreavalisados por nunca menos de três testemunhas dignas de crédito. Deles o leitorpode colher as ilações que lhe aprouver, não sendo, porém, minha intenção devoltar contra o povo moçambicano a repulsa ou a má vontade do leitor.No seu livro sobre o anarquismo, Daniel Guerin afirma que Proudhon constata,com desolação, que as massas têm necessidade de indivíduos que as despertem.O povo moçambicano foi despertado para o mal, na fase da Independência, poruma Frelimo que desconhecia, comunista, e a arma usada pelo Partido foi aImprensa. Mas esta sabia que o regime que entrava em Moçambique paragovernar se solidarizava com os princípios moscovitas, e conclamava anecessidade da formação de um bloco comunista e ateu, que fizesse frente àsideias ocidentais no continente africano. E este regime, convertido em paladinona luta contra o Ocidente, assegurava uma nova situação no contexto africano,oferecendo a Moçambique uma importância estratégica crescente.As injecções constantes da Imprensa, vassala do regime, alimentava a místicada cruzada machelista contra o imperialismo ocidental, ocultando, das massas,que a intenção deste proceder era favorecer a tentativa de domínio, porMoscovo, de toda a África Austral, domínio imperialista (mal) disfarçado numaideologia socialista.Assim, entendendo-se a Frelimo, compreendendo-se a Imprensa e a posição demeia dúzia de jornalistas portugueses, que a quiseram servir, e dela servir-se dequalquer modo, num compungente e trágico mercenarismo, chega-se à respostaque queremos encontrar para esta pergunta: «Como justificar as bárbarasperseguições movidas ao povo moçambicano e à colónia portuguesa pelaFrelimo?».Creio que o leitor a encontrará nesta reportagem.INÁCIO DE PASSOS

PRIMEIRA PARTEOS «PRAVDAS» DE MOÇAMBIQUE (prólogo à reportagem que ides ler)

1. UMA REDACÇÃO EM EFERVESCÊNCIA
O clima emocional de quantos se encontravam na Redacção do «Notícias daBeira» era caldeira prestes a estoirar.Estava-se na noite de 7 de Setembro de 1974. Eu, que então chefiava umadelegação do jornal em Tete, próximo da guerra e de Cabora Bassa, viera, em visita particular, à sede. Chegara na véspera, num dia de muito sol, de calmaria absoluta.Entretivera-me, logo que pusera os pés na cidade, num restaurante batido pela brisado Indico, na companhia de camarões grelhados, cerveja fresca, mulher e filho.A cidade, que percorreria depois do anoitecer, era a cidade que sempre conhecera,com os seus coloridos «néons» e os cafés repletos, viva àquela hora. Os restaurantesmostravam o que de melhor, mais atraente e caro, poderia satisfazer o gosto dosturistas rodesianos. Automóveis corriam no asfalto para um destino qualquer, uns maisapressados que outros. Nos cafés os homens falavam do Acordo de Lusaka, que seriaassinado no dia seguinte entre a Frente de Libertação de Moçambique e Portugal.Pela Colónia apenas um homem aporia o seu nome no documento — Samora Machel — tornando mais fácil e menos extensiva a responsabilidade do seunão cumprimento. Por Portugal o peso era dividido por oito homens, uns conhecidosoutros saídos do anonimato com o 25 de Abril.
Eram ministros com e sem pasta;conselheiros de Estado; um membro português do Governo Provisório deMoçambique; e oficiais das Forças Armadas de Portugal. Os seus nomes andavam de boca em boca, tanto os jornais neles haviam falado nos últimos dias: Melo Antunes,Mário Soares, Almeida Santos, conhecido ex-causídico de Lourenço Marques, Vítor Crespo, Antero Sobral, Nuno Lousada, Almeida e Costa e Casanova Ferreira.Todos os que, nos cafés, falavam do Acordo denunciavam medo e incerteza emquanto diziam. Que se podia saber então? Que o Acordo da Independência de um país, que mais interessava a moçambicanos que a portugueses, ia ser assinado numacidade estrangeira, sem que o povo moçambicano fosse consultado. Ë pouco provável que alguém, nesta noite de incerteza, tivesse podido reagir de outro modo.Sabia-se, pela História e pelos exemplos africanos, que seria em vão que um paíseconomicamente débil e com grande parte da população por alfabetizar, procurariagarantias duráveis de liberdade e de independência. A que novo senhor iria servir Moçambique após dez anos de desgastante luta com Portugal? Não setornariaMoçambique o rastilho de um conflito internacional por ordem de Moscovo (ocapitalista da guerra de libertação moçambicana) por forma a ser silenciada qualquer voz discordante à penetração comunista na África Austral?

Ë necessário que o leitor tenha em mente que não fazíamos parte deuma Redacção dependente de uma administração organizada; que não possuíamosum director, pois o último afastara-se voluntariamente após os saneamentos naadministração; que fora nomeado um sub-director, de nome Evo Fernandes, quesofrera a sorte comum — o saneamento; que o director interino era o chefe daRedacção, Henriques Coimbra, mas encontrava-se como observador em Lusaka, nascerimónias de assinatura do Acordo.A força que existiria no jornal era uma força clandestina, camuflada. Ela estava nasmãos do Heleodoro Baptista, por ser comunista e da Frelimo; do Jorge FigueiredoJorge, por ser comunista e da Frelimo; do Castro Lobo, por ser comunista e daFrelimo.Claro que tinha havido dissidências mas elas não partiram, embora fossem perfilhadas em silêncio por alguns elementos, do sector da intelligentsia, mas dosoperários das oficinas. Esses queriam o pão para a boca e para os seus, e viam elefugir-lhes com os consecutivos saneamentos na classe que o proporcionava. E essasdissidências chegaram ao paroxismo com o aparecimento, nas ruas da cidade, de um panfleto, impresso no «Notícias da Beira», aconselhando as massas populares a nãocomprarem o jornal. Esse panfleto, por mais paradoxal que pareça, era assinado pêlosoperários do «Notícias da Beira». Esses mesmos homens ousaram ainda, e com oapoio do então secretário de Informação, dr. Willem Pott', sair para a rua com um pasquim, em tudo igual às edições normais do jornal, com a Redacção encerrada esem director. Todo o trabalho partira do sector oficinal e da iniciativa dos operários,sem auxílio dos intelectuais.Julgamos serem estes dois flagrantes actos de resistência do proletariado do«Notícias da Beira» um interessante tema de estudo da penetração da ideologia social-marxista na Imprensa moçambicana. Por onde penetra o comunismo numasociedade?Melhor, por onde tem penetrado o comunismo nos países de política ocidental?Diversos exemplos apontam-nos que ele penetra pela classe operária e pêlos pequenos camponeses, só a seguir pêlos funcionários, médicos,engenheiros,advogados, intelectuais, em resumo pela intelligentsia burguesa, sequisermos usar terminologia esquerdista. No «Notícias da Beira» ele penetrara pelaúltima e não era apoiado pela primeira.À juventude intelectualizada, especialmente à ligada às Redacções dos jornais,fora permitido o acesso à Imprensa estrangeira, e a que mais lhe interessava vas-culhar era a que então era considerada inconveniente. O quotidiano contacto com asagências noticiosas internacionais — mesmo as ocidentalizadas — trazia-lhes«meias verdades» desconhecidas, pequenas aberturas por onde o pensamento seexpandia, embora desorganizado.Durante muito tempo, como intelectual pequeno burguês, o redactor dos jornais pôde comprazer-se com a atitude, repleta de comodidades, de simples observador privilegiado, pois o Governo concedia à sua classe a maior liberdade de contacto como «mundo proibido», permitindo-lhe uma imersão, cada vez mais profunda, numa vítima, influenciado pela série, suspeita, de agressões de carácter político que proliferava na capital. Uma noite tombou numa artéria citadina, vencido pelo excessode álcool que ingerira. Feriu-se na queda. Era de madrugada e ninguém assistira aoacidente. Socorrido e transportado ao Hospital, adormeceu entre bocejos de ébrio evómitos de etilizado.Ao outro dia o seu jornal noticiava que o redactor fulano de tal fora barbaramenteagredido por inimigos da liberdade. O tal colega acordou com direito a ser comunistaapós a ressaca, mas o pessoal do Hospital não colaborou na comédia. O «Notícias», porém, nunca rectificou a local, agarrando com unhas e dentes a oportunidade de possuir nos seus quadros um jornalista que não podia ser acusado de fascista. E, diasapós, comunista respeitável e frelimista da primeira apanha, o «nosso» herói teve ahonra de ver em todas as montras e paredes de Moçambique um poema seu, dedicadoa Samora Moisés Machel, servindo de legenda a um gigantesco «póster» do presidente da Frelimo.Meses depois, a mulher do herói discursava em Tete, do alto de um púlpito e emnome de todas as mulheres de Moçambique. O futuro estava assegurado ao jornalistaGuilherme da Silva Pereira e a sua mulher. E estávamos ainda sob o domínio doGoverno de Transição.Outros aderiram ao G.U.M.O., partido político criado após o 25 de Abril echefiado por Joana Simeão, evitando, deste fácil modo, a denominação de fascista tãoem moda, verificando-se, a curto prazo, que em Moçambique não existia um único jornalista das «direitas», e que fora da Imprensa só haviam sido fascistas o GovernoGeral e os seus secretários provinciais. E os jornalistas provavam que nunca o haviamsido pois todos sabiam recitar Lenine ou Mao-Tsé-Tung, para parecerem progressistas,como definiria mais tarde Fernando Barradas esta estranha fauna «como cordeirosamestrados atrás do prémio, da segurança, de serem desde pequeninos, comunistas».Os mais directos colaboradores da Imprensa moçambicana do tempo deMarcello Caetano apareceram como agressivos defensores da Frelimo, sujeitando-seàs mais escabrosas traições ao povo português para agradarem ao Partido.Outros,ainda, não tendo a sorte de serem agredidos numa rua da capital, nem meioseconómicos para irem a Dar-es-Salam abraçar Samora Machel e pregoar a suamilitância à Frelimo, publicando-a em letras gordas nos seus jornais, tentaram ser os primeiros a contactar os guerrilheiros em pleno mato — mas sem arriscarem a pele — para em seguida, com os seus escritos, reclamarem o preço merecido pelo seugesto tradutor de militância — um tacho.Um pequeno exemplo:Algum tempo depois do 25 de Abril, e quando a população não sabia, ainda, se aguerra havia terminado, fui informado, por um meu contacto habitual, de que umgrupo de guerrilheiros da Frelimo se encontrava nas proximidades de Tete. Para oencontrar teria de seguir em viatura cerca de sete quilómetros, na estrada Tete-Beira,e depois caminhar mais cerca de quatro quilómetros por picadas de difícil acesso, ..chamando a população que já se está a concentrar. Um grupo de nossos irmãostentou sabotar as antenas do Emissor Regional, não sabemos se com sucesso.Aquela Emissora ainda não aderiu ao nosso Movimento...»
E logo a seguir, em tom convincente:
«Fala-vos Rádio Moçambique Livre. Saiam para as ruas. Venham para junto de nós. Apoiem-nos com a vossa presença física. Tragam cigarros e caféque a noite está fria. Tragam cobertores. Há mulheres e crianças junto de nós,em toda a rua. Seremos mais. Temos de ser todos. Venham para junto de nós...»
Os meus camaradas na Redacção fitam-se lívidos. Era isto a descolonização? Seo era não condizia com as declarações de Vítor Crespo, um dos homens que assinarao Acordo:
«Descolonizar significa entregar os poderes de soberania sem que hajaconvulsão social, em paz e harmonia entre os diversos sectores da população,para que se possa criar o clima de reconstrução nacional, essencial ao progressodo povo até agora colonizado...».
Aceito o risco de me censurarem por afirmações que não são admitidas por alguma gente: A nação moçambicana encontra-se preparada para receber a Inde- pendência; a Frelimo, não. Não sendo, portanto, contra a Independência, penso, e pensarei até me provarem o contrário, que a maioria dos observadores sabiam queMoçambique com a Frelimo não sobreviveria. O Partido estava preparado para umaluta demorada de guerrilha e não para dirigir um país.Em todos os sectores da actividade económica e administrativa não existiam quadros,nem em quantidade nem em qualidade. Os quadros teriam de ser, forçosamente, por tempo ilimitado, de nacionalidade portuguesa, os compostos por moçambicanos nãomilitantes do Partido, mas isso não interessava aos comunistas — o pequeno grupo querodeava e amestrava Samora Machel. Para eles a Frelimo teria de sobreviver por si própria e apenas com o auxílio do eixo comunista, seu importante credor das despesasde guerra. Moçambique estava preparada para a Independência e a Frelimo não. O 25 de Abril e as resoluções apressadamente tomadas prejudicaram aFrelimo nacionalista — beneficiando o sector extremista — e precipitaram osacontecimentos. Samora Machel, num dos seus poucos momentos de verdade, quandoa vigilância dos «cérebros» que o rodeiam afrouxou, confessaria no Niassa — declarações transcritas na revista moçambicana «Tempo» — que «foi pena que aguerra contra o colonialismo português não se tivesse prolongado por mais cinco anos».
Mesmo assim, as negociações decorreram apenas com a Frelimo, tal a aceleração pretendida por Melo Antunes para a descolonização. Melo Antunes soube aproveitar-seda situação política e social de carácter anarco-populista que adoentavaas estruturasgovernativas portuguesas, e da intensa campanha movida contra o Ultramar pelas forças progressistas a nível popular, aliciamento a cargo da Internacional Comunista. Ele foi,apenas, um intérprete, tipo «roberto de feira» do«entreguísmo» das colónias portuguesasao imperialismo soviético.Portugal e a Frelimo não permitiram a presença de observadores moçambicanos, nãoafectos ao Partido mas simpatizantes da libertação nacional, de homens que, no contacto directo com as realidades moçambicanas, tivessem conhecimentos e forçamoral para aconselhar, para orientar Portugal e a própria Frelimo, mesmo sabendo-seque as autoridades portuguesas, representadas em Lusaka, desconheciam as gentes e asterras moçambicanas, as reivindicações honestas e humanas do povo,as suasnecessidades reais, os seus anseios, a forma de liberdade pela qual lutavam. Mas sabia-se, também, que a Frelimo, com uma dezena de anos de luta, período de tempo emque apenas contactou as zonas do interior, que pouco ou nada representavam nocontexto económico, político e humano de Moçambique, vivendo com sede noestrangeiro e visitando clandestinamente a parte mais desértica e menos civilizada dacolónia, desconhecia, do mesmo modo, a realidade moçambicana.Pode-se, assim, afirmar que o Acordo de Lusaka foi negociado entre duas entidadesestranhas a Moçambique: o Governo de Portugal com sede em Lisboa, e a Frelimocom sede em Dar-es-Salam.Mas era com a Frelimo que Portugal teria forçosamente de negociar a des-colonização segundo a pusilanimidade dos então governantes de Portugal,aberrativamente exposta por Vítor Crespo:
«Descolonizar é transferir os poderes que o Estado Português detém para aFrente de Libertação de Moçambique. E porquê a Frelimo? Porque foi oPartido, a Frente, que manteve a luta armada pela independência nacionaldurante dez anos e tem o apoio generalizado. Por isso a única força política emMoçambique.»
A opinião de Vítor Crespo era a da maioria dos dirigentes portugueses. As suas palavras eram as do Governo de Portugal, dominado, na sombra, pelo general CostaGomes, que se acobertara sob o prestígio do general António de Spínola. Eram a própria opinião do mal informado povo português, logrado pelo chavão da solução política que o Acordo de Lusaka parecia representar.O povo moçambicano e os habitantes portugueses de Moçambique, subjugados pelas armas dos dois negociantes, iam ser entregues, sem remissão, à vontade mos-covita representada pela Frelimo, mesmo circulando de boca em boca, medrosamente,a afirmação de que um ano antes, no dia 12 de Setembro de 1973, o PresidenteKaunda da Zâmbia havia-se debruçado sobre o problema moçambicano, apresentandoum programa intitulado «Plano de Lusaka», onde era prevista a participação daFrelimo no futuro Governo de Moçambique, mas não em regime exclusivista.A solução, programada então, da qual o Governo Português tivera conhecimento pelo então cônsul do Malawi em Portugal, eng.° Jorge Jardim, antes de 7 de Setembrode 1974, definia que os movimentos nacionalistas, tais como a Frelimo, deveriam ser reconhecidos como importante factor político, cuja participação no formular da futuraestrutura política não podia ser ignorado.Saliente-se importante; não exclusivo.De notar, porém, que este «Programa», cujo cumprimento honraria Portugal e assuas Forcas Armadas, aquelas que o 25 de Abril afirmou representar, estava emvésperas de ser integralmente aceite. Já o fora por Nyerere, Presidente da Tanzânia, pelo dr. Hasting Banda, Presidente do Malawi e o mais inteligente e lúcido dirigente da África Austral, e assinalava-se, com optimismo, a adesão incondicional de SamoraMachel, ainda não manobrado completamente pelo seu grupo intelectual--comunista.Ao contrário do Acordo de Lusaka, apenas um ano depois assinado, Moçambique nãoera entregue a Moscovo mas ao povo moçambicano. Recorde-se, ainda, que o professor Marcello Caetano afirmara, também, pela mesma altura, ao definir a sua política de «Autonomia Progressiva e Participada» que «não recusava aIndependência, se esta traduzisse a vontade local, autenticamente expressa». Não era, pois, a Independência que estava em jogo. Jogava-se o «processo», evenceu o engendrado pelos extremistas. Havia apenas necessidade de lhecriar ambiente propício, e os oficiais comunistas portugueses, e os pseudo-democratasmoçambicanos, que hoje, após terem atirado Moçambique às feras, passeiam por Lisboa, criaram esse ambiente acelerando o Acordo, para que este nãofosse ultrapassado pelo Programa.A Frelimo comunista vencera a Frelimo nacionalista. As ideias de Mondlaneforam espezinhadas pelo grupo que domina Samora Machel. E é dentro desta pers- pectiva, onde existe apenas um substracto comum — a Independência — queSamoraMachel exerce o seu papel de ditador, dirigido pelo seu grupo de intelectuaisextremistas, e organiza o seu novo Estado segundo as concepções comunistas.Dois elementos fundamentais simbolizam o poder moçambicano: O Partido e oChefe. O terceiro elemento fundamental foi esquecido: O povo.
4 UM ESTRANHO FREMILISTA
O Machado, chefe geral das oficinas, entra na Redacção. Vem calmo. Junta-se anós, que nos acocorávamos nas vigias deixadas pêlos aparelhos de ar condicionado.O silêncio voltara à rua. Não era um silêncio pesado, mas apenas a ausência dosgritos que os nossos ouvidos captavam havia mais de duas horas, um murmúriocomposto por conversas a baixa-voz, como se toda aquela plateia revolucionária seinterrogasse. Fazia lembrar — e essa imagem me veio ao pensamento, ali e naquelahora — os décimos de segundo que antecedem o sinal de partida dos atletasnuma prova pedestre de velocidade.Desceu à portaria e eu acompanho-o. Centenas de pessoas acotovelavam-se emtodo o comprimento exterior do edifício. A nossa defesa era assegurada por meiadúzia de agentes da Polícia de Segurança Pública, pois, embora a situação fossedramaticamente comunicada às Forças Armadas, ainda nenhum militar comparecera.Destacam-se quatro homens da primeira fila e dirigem-se-nos. Dois são brancos, um é goês e outro é negro.A presença do último leva-me a olhar a plateia de manifestantes: Mais negros,muitos negros, em toda a parte. Por que se afirmava, então, que a Frelimo tinha oapoio total do povo negro?... Mas quem o afirmava? Não eram apenas o Governo deLisboa e nós os jornalistas? ...É um dos brancos que fala pelo grupo:
— Queremos dialogar com os jornalistas, mas com todos. O jornal tem queser encerrado, a bem ou a mal. Ë melhor compreenderem a nossa posição emuito especialmente a vossa...
O Machado pede-lhes que subam à Redacção. Eles falam com algunsdas primeiras filas. Há observações de apoio e de descontentamento. Existe quem prefira quebrar as montrarias, destruir as oficinas, arrasar tudo, silenciando, de umavez para sempre, o único jornal beirense.Os agentes da P.S.P. estudam a situação de armas aperradas. Parecem em menor número: Alguns haviam-se espalhado por pontos estratégicos, por forma a melhor dominarem a situação. O que está mais perto de mim sussurra-me que, em caso deemergência, tínhamos assegurada a saída pelas traseiras.Acompanho o Machado e os quatro manifestantes. Penetrámos na Redacçãosilenciosa. Os restantes colegas rodeiam-nos e é o mesmo branco que fala. Calçachinelas de quarto e veste camisa vermelha de quadros, que lhe cai comsofisticadodesleixo sobre os calções: —
O que queremos é que vocês fechem imediatamente o jornal. Não permi-tiremos que amanhã as vossas mentiras venham prejudicar o Movimento...Estamos dispostos a conseguir o que queremos pela força e sem olharmos aconsequências.
O Machado responde-lhe, mas dirigindo-se a nós: —
Vamos rapaziada. Desliguem o quadro geral!...
O jornal é encerrado por uns dias, e os jornalistas comunistas hibernaram por mais um mês, não metendo as cabeças fora das tocas onde se encolheram, ruminandovinganças, nos intervalos das leituras dos clássicos do marxismo e dos seus discípulosmodernos.A multidão não dispersara ainda e comentários, e olhares de ódio e de desprezo, sãodirigidos na nossa direcção. Quando abandono o jornal levo nos ouvidos, ressonandocomo matracas, as últimas palavras que ouvira ao locutor:«Um grupo de nossos irmãos tentou sabotar as antenas do Emissor Regional de Tete, não sabemos se com sucesso. Aquela Emissora não aderiu ao nossoMovimento...»O meu pensamento volta-se para a cidade que apenas no dia anterior deixara. Erecordo: Nos princípios de Abril de 1974, a poucos dias da queda do Governo de MarcelloCaetano, encontrei sobre a minha secretária de trabalho uma carta muito malredigida. Fora seu autor um comandante da Frelimo. Levei a missiva para casa e aSão, minha mulher, falou dela, no intervalo de uma emissão, a alguns dos seuscolegas de estúdio onde então trabalhava — o E.R.T. do Rádio Clube. O jornalistaSantos Martins informou a D.G.S., chefiada pelo inspector Sabino, e eu e minhamulher fomos incomodados. Afirmava-se, à boca cheia que ele era, de velha data,informador da P.I.D.E. Eu, porém, via-o apenas como homem pouco culto que queriatirar partido de meios oportunistas para ocupar posições para que não lhe chegava omérito. Mas foi ele próprio que na minha ausência, e por ordem do inspector da D.G.S., tentou convencer a minha mulher para que ela lhe entregasse a carta,afirmando-lhe que cumpria instruções minhas. Ela escondera a carta no corpete masnegou possuí-la.Meses após, depois de curta passagem por um grupo fantoche de Democratas — criado após a revolução dos cravos — para onde entrou pelas mãos de um comer-ciante com pretensões a literato e ex-lider do G.U.M.O., de nome Isaías Marrão,traidor português responsável por inúmeras prisões de colonos na província de Tete, o jornalista Santos Martins entrava nas estruturas da Frelimo, e conseguia deitar mão aalgumas alavancas do comando político de Tete, esquecendo a sua recenteadesão à política colonialista.O seu sucesso foi rápido e brilhante. Candidato ao cargo de professor de Políticada Frelimo, na escola secundária local, passou a leccionar História. Comohabilitações literárias lia-se no seu curriculum vitae, na proposta ao professorado:Estudioso do socialismo e das teorias marxistas-leninistas. Cativou aFrelimo e transformou-se no mais entusiástico e perigoso militante, presidindo areuniões a nível distrital do Partido.Construiu duas residências.Dirigiu um Emissor.Representou o mais importante jornal de Moçambique.Foi proprietário de uma discoteca.Foi professor num curso médio, muito acima da sua cultura.E, finalmente, regressou a Portugal, após ser vítima, como todos os portugueses,das nacionalizações, residindo actualmente na cidadeuniversitária namorada do Mondego. Mas nas prisões em Moçambique ficaramalgumas das suas vítimas.
5. O ÓDIO DE JORNALISTAAOS PORTUGUESES
Regresso a casa. Toda a minha família estava nas proximidades do receptor,atenta às notícias, que, em torrente, nos eram trazidas pelo éter:
«Temos a alegria de comunicar que foi retirado o mandato de capturaao senhor engenheiro Jorge Pereira Jardim...»«Julgamos que o senhor general Spínola está a compreender a nossasituação, o motivo do nosso Movimento, e o vai apoiar ...»
«A cidade de Inhambane adere ao Movimento. Há alegria nas ruas...»«Milhares de portugueses da África do Sul dirigem-se para LourençoMarques em longos comboios de viaturas automóveis. As autoridades sul-africanas estão a facilitar a sua passagem na fronteira com Moçambique...»«O jornal «Diário» prepara-se para sair com uma edição. Levem cigarros ecafé aos valorosos jornalistas. Já está garantida a chegada de papel para asfuturas edições daquele jornal...»
E muitas coisas mais. A voz do locutor é persuasiva, mole por vezes, agressiva por outras, convincentesempre. Continuam a ouvir-se sirenes pela cidade, por onde centenas de viaturascirculam em cortejo.É gente que não pensa em dormir e eu adivinho no interior das carrinhas, dascamionetas e dos automóveis — de que apenas vejo os faróis à distância — pessoasatentas à voz do locutor, querendo acompanhar, como nós, toda a sequência doimbróglio para que já não se vislumbra uma solução pacífica.Como reagirá a Frelimo?Interrogo-me, e como eu milhares de pessoas por Moçambique afora. Não farão idêntica pergunta a si próprios, todos aqueles que fazem guarda •— homens, mulheres e crianças — junto ao Rádio Clube de Moçambique, em LourençoMarques, ou se encontram na Praça do Município da cidade da Beira, ou, ainda,essoutros que se acumulam nas vilas e aldeias do interior, ou isolados nas choupanashumildes, ouvem, estupefactos, o que o locutor agora afirma, tão diferente do queontem foi propagado pelo mesmo Emissor, ou pespegado em caracteres de Imprensanos jornais moçambicanos, verdadeiras guardas avançadas do Kremlin, incitando, antea passividade criminosa dos dirigentes, com a ilegitimidade das suas doutrinas ossaneamentos indiscriminados, as prisões arbitrárias, os espancamentos, as torturas, asexpulsões, a negação da cultura portuguesa, a usurpação criminosa e selvagem deterras e de habitações, tudo ordenado pela moral dos serventuários do imperialismosoviético?A História um dia falará da influência da Informação moçambicana na escaladado terror que destruiu Moçambique. Testemunhos não faltarão:Como chefe da Delegação do «Notícias da Beira» na província de Tete recebi,com surpresa, uma comunicação de que uma equipa de reportagem visitaria aquelazona moçambicana, a fim de colher elementos para uma edição especial. A minhasurpresa justificava-se, sobretudo por, durante os cinco anos de guerra naquela pro-víncia, nenhum dos meus colegas se oferecer, ou aceitar quando imposto, qualquer serviço na região, facto que contra a minha vontade me obrigava à acumulação deférias.A equipa seria composta pelo repórter Mário Ferro — secretário de Informaçãodo Grupo Dinamizador da Frelimo — pelo repórter-fotográfico Carlos Rodrigues, e por um publicista encarregado de adquirir fundos para a feitura da referida edição.Os nossos homens seguiram para a Angónia depois de pedirem apoio ao Partido emTete, e ali, acompanhados por elementos fardados da Frelimo, percorreram todas ascasas comerciais e as machambas agrícolas portuguesas, arrecadando cerca de cemmil escudos de «publicidade».Os amedrontados portugueses entregavam-lhes quanto lhes fosse sugerido, receo-sos de caírem no desagrado da bélica comitiva.Aquela região era a mais rica de Moçambique, considerada o celeiro do país. Alieram produzidas as batatas que Moçambique consumia, parte do milho que ali-mentava a população, e diversas experiências no campo frutícola foram coroadas deextraordinário sucesso. Era, ainda, fértil produtora de carnes, sendo por este e outros motivos uma região onde o povo nunca conheceu a fome e a revolução armada daFrelimo não vingou, nem obteve êxitos militares e políticos.O angone não ignorava que toda a riqueza da região partiu daexperiência portuguesa, da sua agricultura evoluída, da sua técnica, presente nasmáquinas que substituíram definitivamente os processos tradicionais de cultivo. Destemodo, não desconhecia que a riqueza que usufruía era a parte que lhe cabia dainiciativa portuguesa.Mário Ferro viu tudo isso e encolarizou-se.O choque que sentiu ao deparar com abundância de víveres e de cereais numa província de um país onde se formam bichas para adquirir arroz, para comprar um pão, fez ultrapassar a dose de paciência que o seu extremismo, mais quecomprovadamente militante, permitia e virou ódio. Ódio que dirigiu no sentido maisfácil e tolerado pelo Partido: Aos portugueses.O desafogo económico colectivo era, para ele, uma ofensa ao povo doSul, miserável e faminto. Não se preocupou em estudar os motivos daabundância, porque não lhe interessou observar a vida, o trabalho e o combate daclasse agricultora. Não olhou as mãos calejadas dos trabalhadores negros e brancos. Não fitou, de frente, os rostos curtidos pêlos frios das madrugadas serranas e pelos calores das várzeas tropicais, naquele pedaço de mundo onde todas as temperaturassão permitidas.Excitado, destilou veneno num artigo sobre os agricultores portuguesesda Angónia, alcunhando-os de elitistas, de sabotadores económicos, e de outras defi-nições usuais no dicionário político da Frelimo. A sua injusta opiniãodemagógica fazia-lhe ver na fartura uma caótica subversão a roer as estruturascomunistas, que necessário se tornava implantar em toda a Angónia. E a Angóniamostrava-se alérgica ao comunismo ... porque era rica.Lavrar, semear, colher mecanicamente, era desmentir a capacidade de trabalho do povo moçambicano, que deveria ser orientado para as machambas colectivas. Ofuturo de Moçambique estaria assegurado pela mobilização maciça de agricultoresem regime de «kolkhoz», essas tão faladas cooperativas agrícolas de inspiraçãocomunista, amoçambicadas pela definição de «machambas colectivas».Alardeando fartos conhecimentos dos conceitos esquerdistas, Mário Ferro faloudas disparidades de riqueza e miséria e, para cabalmente cumprir a sua missão deextremista, entrou na campanha demagógica em curso pelo Partido, preconizando odimensionamento das explorações.Ao bom entendedor — e o Partido que lhe encomendara o sermão era-o, de certeza — estava posta a funcionar a engrenagem que levaria à depradação dos bens e à perseguição dos portugueses residentes na Angónia.A resposta ao apelo de Mário Ferro não se fez esperar, e, por ordens da Frelimo, édetido poucos dias depois um agricultor de nome António Ferreira Abreu.Transportado sob prisão para Lourenço Marques foi ali enclausurado em regimeincomunicável. Sua mulher e filha — uma criança doente — sofreram igual sorte. A solução chegou para todos com a expulsão de Moçambique, após haverem sofrido asmais desumanas humilhações e maus tratos.A acusação baseou-se em «crime de sabotagem económica», mas o acusado nãofoi julgado em nenhum tribunal.Entretanto nas terras do detido apodreceram, sem que alguém as retirasse do solo,centenas de toneladas de batata, enquanto o povo moçambicano do Sul morria de fome. Nos seus armazéns ficaram mais de um milhão de escudos de mercadoria, entregue àdestruição do tempo, enquanto nos lares do Sul os pais gemiam ao ouvir os filhoschorar com fome.Repito: António Ferreira Abreu não foi julgado. Nenhum tribunal se debruçousobre o seu caso. A justiça comunista fora praticada por um jornalista português e por um guerrilheiro de nome Eusébio Nenhum Fica, comissário político na província deTete, figura representativa do mais cruel sadismo e das mais descaradas prepotências,de que nos ocuparemos ainda.Prosseguindo o programa de Mário Ferro, algum tempo decorrido é encar-cerada a totalidade dos agricultores portugueses e a maioria dos comerciantes, nestes seincluindo cinco moçambicanos. A justificação para a captura era serempossuidoresde armas — embora estas se encontrassem em seu poder por determinação dasautoridades. Foram transportados, como animais, em camiões decarga, permanecendo numa cela colectiva durante uma semana. Após o seu regressoàliberdade tem início o êxodo dos portugueses da Angónia e grande parte deles fixaresidência no Malawi, onde a sua experiência agrícola é acolhida de braços abertos pelo Governo do dr. Hasting Banda.O povo da Angónia pede para os portugueses não se afastarem das terras queenriqueceram. Manifestações de negros imploram ao Governo a protecção para os portugueses. Agricultores angones botam sentidos discursos louvando o trabalho dos portugueses quando alguém graúdo visita a Angónia. Porém o programa do Partidoestava traçado: O comunismo só penetraria naquela estratégica região nortenha quandoa miséria substituisse a abundância. A experiência portuguesa estava a mais naAngónia e em seu lugar ficou a fome. As desigualdades económicas deixaram deexistir.Antes de regressar à Beira, o secretário do Grupo Dinamizador da Frelimo daSecção de Informação, e repórter do «Notícias da Beira», Mário Ferro, publica novotrabalho, e nele afirma existir assinalável incremento da prostituição em Tete,referindo alguns bares que empregam mulheres portuguesas.Foi incisivo e directo: A prostituição era prática das mulheres empregadas emdeterminados estabelecimentos, por estas serem, na maioria, portuguesas.Este seu trabalho motivou uma vigorosa acção do Comissariado Político de Tete,acção que levou dezenas de mulheres a serem isoladas em terríveis e criminosos«campos de reabilitação», junto à fronteira da Tanzânia, de onde poucasregressaramcom vida.As que sobreviveram foram consideradas inocentes pela Frelimo. Tenho em meu poder um desses certificados de inocência, passada a uma jovem de aspecto frágil, sobrevivente do campo de «reabilitação» de Luatize. Essa jovem, Maria Fernanda— inocente como a própria Frelimo reconhece num documento oficial — foi uma dasvítimas de Mário Ferro.Tinha consigo documentos que a Frelimo destruiu— entre eles um passaporte português. O único motivo do seu infortúnio foi a publicação de um trabalho de um jornalista português, que nem sequer a conhecia.Esta pode acusá-la e acusa-o, de certeza.Mas e as outras? As que ficaram pelo caminho?...
6. UM PEQUENO DRAMA NA BEIRA
Passámos a noite na sala — eu e a minha família — ouvindo o «Rádio Moçam- bique Livre».O locutor ia acrescentando novas adesões ao Movimento. Informava repetidasvezes que o «Diário», o mais antigo jornal de Moçambique, seria publicado no diaseguinte, voltando a pedir que levassem cigarros e cafés quentes e refrigerantes aos«abnegados trabalhadores» daquele órgão de Informação, ao tempo que apelava aoslinotipistas, paginadores, tituleiros e outros técnicos, para se dirigirem às oficinasdo velho «Guardian».O «Notícias da Beira» e o «Notícias» estavam fora de combate por vontade dasmassas portuguesas, como o estariam, ainda, durante bastantes dias. Do primeiro jornal não se veria ninguém nas ruas beirenses. Os esconderijos eram os maisdiversos, e nern os colegas saberiam onde encontrar o Heleodoro Baptista, oJorge Figueiredo Jorge, ou o Castro Lobo.Eu percorreria, nos dias seguintes, as ruas da cidade, onde o comércio não abriraas portas. Caminhando devagar, espreitava com os ouvidos as residências e em todasouvia as vozes dos locutores da «Rádio Moçambique Livre».As notícias eram as mesmas:Mais adesões; a esperança de que os enviados do general Spínola resolvessemalgo a contento dos cabecilhas do Movimento; conclusões favoráveis noencontro entre os representantes de todos os movimentos e partidos políticos que proliferavam na colónia; mundos de devaneios, de ilusões, de certezas amontoadassem os alicerces da lógica política; esperança de que o dr. Domingos Arouca compa-recesse a reuniões a que se mostrava alheio e estranho ...Caminhando devagar, eu ouvia conversas contrárias ao Movimento nos poucos bares abertos à gente sedenta, conversas de pessoas que o consideravam tardio eirremediavelmente condenado ao fracasso. Ouvia afirmações que prediziam que o queestava a acontecer iria conduzir a um inevitável derramamento de sangue, queopinavam que depois de Portugal se comprometer em Lusaka não mais retrocederia.Ouvia pessoas — quase todas desejavam a independência moçambicana — que viam o problema pelos olhos dos partidos a que entregavam a sua simpatia: Unsopinavam por Lenine que não se vence apenas com uma vanguarda, que lançar umavanguarda numa batalha decisiva, enquanto a classe no seu conjunto, a massa, nãoadoptou uma atitude de franco apoio, pelo menos de neutralidade benevolente que atorne incapaz de deter o adversário, seria mais que uma estupidez, seria um crime.Outros «iam» pela Convergência Democrática, esperando que Portugal conse-guisse construir, entre os seus territórios coloniais e as parcelas atlânticas, uma espéciequalquer de confederação.Muitos eram de opinião de que todos os partidos deveriam ser ouvidos, e falavam noG.U.M.O., no F.I.C.O., todos porém distribuindo opiniões mas ninguém definindoclaramente ideias.Do mesmo modo procediam os oradores que se apresentavam aos microfones do«Rádio Moçambique Livre», ou subiam ao púlpito formado por uma camionetaengalanada com estandartes portugueses, encostada a um canto de um extremodaPraça do Município da Beira, onde, durante três dias e três noites, frias e de cacimbo,centenas de pessoas, velhas e novas, negras, mestiças e brancas, marcaram presença.Eu não me podia admirar ao encontrar estas centenas derevolucionários, incorrigivelmeníe esperançados numa viragem radical ao Acordo deLusaka já assinado, mas podia criticar o suporte das suas opiniões. E olhando essagente — e vejo uma mulher paralítica no seu carrinho, uma velha junto ao fogareiroe frigideira, uma mãe enregelada retirando o frio a uma criança de meses, um velhoreformado asmático — eu sabia que eles sairiam dali mais vencidos.Caminhando devagar, eu ia ao encontro do entusiasmo popular, do optimismoque eu não entendia, vendo, na cidade inteira, um gigantesco teatro onde se repre-sentavam, simultaneamente e sem centrastes, milhares de dramas e de comédias. E osintérpretes do espectáculo de que me sentia espectador não entendiam as minhasrecusas, quando me abordavam para que eu convencesse os meus colegas maismoderados a abrir o jornal, e a sair para a rua uma edição «fantasma» de apoio aoMovimento, a exemplo do que o «Diário» estava a fazer em Lourenço Marques. Não entendiam as minhas fugidias negativas cheias de coerência. Não com- preendiam que eu sabia que o gesto que me ditavam estava a virar contra eles, contranós todos, as armas da Frelimo e das Forças Armadas Portuguesas leais ao M.F.A.;estavam a virar contra eles a força de quantos entregaram Moçambique à Frelimo.Caminhando devagar, cruzei-me com grupos de soldados de Portugal quehaviam enfeitado as suas armas com cravos rubros, numa grosseira imitação das foto-grafias publicadas nos jornais reportando o 25 de Abril português, e que levantavam amão direita em gesto grotesco, colocando dois dedos em símbolo de vitória.Para estes sorri. E acenei com ambas as mãos. E quase gritei: Eles eram asmaiores vítimas em Lusaka. O sangue dos seus camaradas, que pintaram de honra osertão e levantaram monumentos de bravura nas picadas mais remotas, havia sidotraído pêlos seus chefes numa cidade estranha de um país mais estranho.Desço rnais uma vez à baixa no dia seguinte.Paro junto ao aglomerado humano que se comprime perto de um orador na Praçado Município. Conheço quem gesticula e fala: É o dr. Lúcio Sigalho, advogado do foro beirense.
Fico-o ouvindo sem interesse, mau grado entusiásticos aplausos cortem amiudadasvezes a sua voz. A meu lado a São, que estreara uma maxi-saia que lhe prendia osmovimentos, pede-me que abandonemos o lugar. Mas eu sinto-me atraído pêlosrostos de quantos escutam o orador, pelas expressões daquele pequeno exército pacífico composto por homens sem história, por mulheres e por crianças.Revelar-me-iam o motivo individual por que estavam ali?Apenas porque julgavam que cumpriam o seu dever ou por obrigação política?Ou ainda por uma tomada de consciência colectiva repentina?Havia ali gente de toda a espécie; estava ali o povo, essa massa que constrói partidos, que apoia governos, mas que raramente os sabe derrubar.Estavam ali, também, os «progressistas», homens e mulheres que se queriamapresentar como demolidores da velha sociedade, e que se juntavam aos oportunistas,demonstrando que o oportunismo e o aventureirismo político podem acasalar-se semquestiúnculas.Alguém gritou que se aproximava a polícia e uma onda de inquietação varreu adesassossegada mole humana.Olho à retaguarda e distingo um grupo de homens armados — vinte ou trinta — vestidos de negro. São também negros mas comandados por policiais portugueses, etrazem nas mãos pesadas matracas de madeira.Um dos organizadores do comício usa o megafone para pedir ao povo que sesente no solo. A maioria obedece à voz de comando e aguarda.Uma jovem fala do seu medo no meio de um grupo de raparigas, perto de mim.Tento acalmá-la usando lugares comuns: «Não nos farão mal. Estamos desarmados ehá aqui muitas mulheres e crianças», mesmo sabendo que em cenas como a queestávamos a viver o diálogo cede lugar à matraca.O veredicto estava traçado: A força caiu sobre a multidão.Gritos de mulheres unem-se a choros de crianças. As pessoas comprimem-se,apertam-se, sufocando-se umas às outras, e deslocam-se no mesmo sentido, querendo passar por entre duas colunas numa saída da praça.Sinto a São soltar-se-me dos braços levada pela multidão em pânico e ergo-a dosolo quando tropeça na própria saia, sentindo então sob os meus pés os corpos de pessoas desfalecidas.Incólumes passámos entre gente agredida, protegidos por voz forte de um jovemoficial pára-quedista português, especado com um grupo de soldados de guarda aosestúdios do Aero Clube da Beira, na saída do Largo. Por nós passaram rostosdeformados cobertos de sangue, homens gritando, mulheres transportadas aos ombros,despojos de uma inútil batalha a que involuntariamente assistira.Tento aproximar-me de uma mulher grávida amparada por populares que gritavahistericamente «Bateram-me! ... Bateram-me! ...», quando o deflagrar de umagranada, seguido imediatamente por segundo estrondo, fez tremer as paredes dosedifícios e estilhaçou os vidros das montrarias dos estabelecimentos mais próximos.
Corremos pela rua fugindo ao Inferno e penetrámos com alvoroço por uma portaque se abriu à nossa passagem. Quanto tempo decorrera desde o início do tumultoque colocou em aberta hostilidade as forças da ordem e o povo?Minutos apenas?Sirenes de ambulâncias, e apitos aflitivos de outras viaturas, vindas da Praça doMunicípio na direcção do Hospital indicam-nos que houve feridos. Venho para juntoda porta e espreito o comprimento da artéria deserta, até que avisto, vindos emcorrida na direcção do teatro do tumulto, dois homens transportando pesadose complicados engenhos fotográficos.Eram da Imprensa estrangeira; os jornalistas de Moçambique escondiam-se em buracos escudando-se do povo, germinando ódios e recitando a sua lábiacomunista mal ingerida.O resultado da acção policial soube-se ainda nesse dia: Um morto e diversos feridosgraves. «Uma coisa sem importância, um pequeno drama», dirão alguns; «Umacatástrofe», afirmarão outros. A verdade, porém era só uma: Quem não concordassecom a forma como decorreram as conversações em Lusaka teria de enfrentrar askalasnicov da Frelimo, as G-3 do Exército de Portugal, e as matracas da Polícia deSegurança Pública, dirigida e comandada por graduados portugueses. O povo estava policiado e o medo armava cerco aos discordantes.Entretanto, em Lourenço Marques, um grupo honesto de portugueses continuava asua missão pacífica aos microfones da «Rádio Moçambique Livre». Eram eles das maisvariadas cores políticas. Eram apenas portugueses revoltados contra a desonra daBandeira Nacional portuguesa, passeada pelas ruas lourenço-marquinas por umgrupo de jovens brancos e mestiços, estudantes universitários comunistas.Mas a atitude honesta desse grupo de portugueses, locutores de ocasião, havia propositadamente sido espicaçadas pêlos verdadeiros criminosos, pêlos jovensextremistas que, obedecendo às ordens do seu Partido, levaram o caos àcapitalmoçambicana, e a acção os portugueses honestos, que, após o mostrarem ser, nãoteriam outro recurso além da fuga de Moçambique, deixando mais livre a actividade dogrupo comunista que rodeava Samora Machel, e do Partido Comunista Português nasmãos de Álvaro Cunhal.O 7 de Setembro foi, deste modo, uma forma de peneirar, seleccionando, os quenão prejudicariam o avanço comunista em Moçambique. E a peneira colocou «forada carroça» inúmera gente, política e apolítica, boa e má, sincera e oportunista.
7. O TRÁGICO EPÍLOGO DO 7 DE SETEMBRO
Regresso a Tete apenas no dia 13, por todas as carreiras aéreas terem estado paralisadas em Moçambique. No avião sou informado, por testemunhas oculares, dodecorrer dos distúrbios em Lourenço Marques, e da forma como o Exército Português,que se encontrava dividido, actuara para a reconquista do «Rádio Clube deMoçambique».
Eu ouvira, ainda na Beira, com crescente nervosismo, a última emissãodo «Rádio Moçambique Livre», adivinhando, de momento a momento, o seu canto decisne.Ouvira a voz do comandante provincial da O.P.V., pedindo ao cordão humanoque, enquadrado por soldados comandos dissidentes, cercava o edifício doemissor, que se afastasse e deixasse passar alguém importante que iria falar àsmassas, no sentido de que fosse posto termo aos combates de rua. Estes, quetiveram início nos subúrbios, haviam-se espalhado por toda a cidade.O ódio fervilhava nos gatilhos das armas automáticas e as cenas damais desumana bestialidade iam-se registando nos bairros limítrofes da capital eem todas as artérias do seu acesso.Mas estas mortes não se podiam justificar politicamente pois os instigadores puseram-se a recato, deixando nas mãos populares o motorista ferido que transportaraquantos ofenderam, dilacerando-a no solo, a Bandeira de Portugal. Esse confessariaque recebera pelo seu trabalho vinte mil escudos. A revolução de folhetim, que os jovens comunistas fabricaram, transformara-se numa razão para os assassinatos, ondetodas as torpezas, roubos, vilipêndios, nos quais se agitavam fatalmenteresquícios deódio recalcado, foram proclamados como virtudes revolucionárias.Os algozes fugiram ao julgamento. Deles quantos foram capturados?Quantos expiaram os crimes que cometeram? Nenhum.A Frelimo superlotaria mais tarde as prisões, mas os que lá entraram eramhomens e mulheres de boa fé, que apenas haviam obedecido aos apelos da«Rádio Moçambique Livre».E era o povo, eram os amigos, eram os parentes, os conhecidos dos aprisionados,que os levaram à prisão, ao os indicarem em fotografias, intencionalmente colhidasno aglomerado humano inocente que rodeou o Rádio Clube de Moçambique.Os assassinos que incendiaram viaturas não permitindo a saída dos ocupantes,que não se comoveram com os gritos das vítimas inocentes que transformaram emtochas vivas, os açougueiros que degolaram mulheres e crianças depois de as violen-tarem numa infernal orgia de ódio, que percorreram as ruas entrando em todas ascasas, subindo aos mais altos edifícios onde humilde gente se barricava, para prati-carem os mais horripilantes crimes, para matar, para destruir, para fazer sofrer, para saquear, numa incompreensível e injustificada sede de sangue, esses ficaramem liberdade.A revolução, segundo a concepção bakunista, não é mais do que um desencadear de más paixões com um controlador no cume. Apenas essa concepção anárquica pode justificar as consequências do 7 de Setembro moçambicano. Quantos ocuparam, nocume, os comandos do controlador da revolução, conheciam de certeza as teorias deBakunine. E eles eram figurantes contratados e encenados pelo governo marxista oumarxizante português, que fingia governar e se vergava à vontade e ao capricho deMoscovo.
A Imprensa moçambicana e portuguesa, dirigidas então pela mesma ideologia,não denunciaram, antes cobriram de louvores, quantos devolveram os produtosdos saques, esquecendo-se que cada objecto devolvido, móveis, cobertores, lençóiselouças, representava o corpo selvaticamente assassinado do seu proprietário. Antescobriram de louvores quem devolvia um pequeno berço às autoridades, olvidandoque ele representava a cama de uma criança portuguesa degolada ou desventrada.O tempo era de louvar, e a Imprensa moçambicana, ao reencetar o seu contactocom as massas, aplaudia quem, respondendo ao apelo da Frelimo, entregava quantoroubara depois de assassinar. Adulavam-se os assassinos, e a verdade nunca foicontada na Imprensa moçambicana. Nunca se disse, também, que os distúrbios foram propositadamente engendrados.Falou-se do início do imbróglio. Disse-se que um grupo de rapazes passeou na baixade Lourenço Marques uma bandeira portuguesa, mas não se disse que esses mesmosrapazes eram estudantes universitários comunistas, para que a explosão de violênciaassumisse uma aparência menos estritamente política do que na verdade possuía.Recordo com raiva o relato de um homem:Sua mulher, licenciada em Farmácia, exercia a sua profissão naMatola, regressando a casa, em Lourenço Marques, todos os dias ao fim datarde. Temerosa pêlos relatos de atrocidades, que ouvira de gente assustada, decidiuregressar mais cedo, telefonando primeiramente ao marido a dar conta da suaresolução.O marido, também temeroso, foi ao seu encontro, a tempo de ouvir os gritoslancinantes da mulher dentro do automóvel em chamas, cercado por centenasde assassinos que gozavam o espectáculo em diabólica orgia. Ele fugiu levandonosouvidos como música do mais trágico drama os últimos gritos de desespero e morteda mulher incinerada viva.Ela fora apenas uma portuguesa entre centenas, entre milhares de vítimas — onúmero nunca foi divulgado pela Imprensa moçambicana — sacrificadas como ela.Ela fora uma das colonizadoras, umas das fascistas, um dos monstros a destruir, quea Imprensa comunista fabricava diariamente nas suas edições dirigidas por portugueses traidores, por virtuosos intelectuais ultra-revolucionários.Lembro, também, a descrição de um homem que perdeu toda a família:Estava em Lourenço Marques e, mal tomou conhecimento das trágicas ocorrên-cias, dirigiu-se para a sua casa nos subúrbios, pedindo protecção a uma força militar portuguesa, que o escoltou até à residência. Todas as portas estavam arrombadas.Junto à escada de acesso jazia a sua filha, de catorze anos, numa poça de sangue,degolada e com os membros decepados. Tinha sido violentada antes de morrer. Noscompartimentos interiores espalhavam-se os corpos de seus irmãos e tios, vítimas dasmais desumanas mutilações.Este comprido filme de terror e ódio — de que apenas projecto ao leitor duasimagens — afastou de Moçambique milhares de portugueses em pânico.Mas a maioria ficou.
Essa maioria ficou na Frelimo, no guia do povo, no braço armado do povomoçambicano. Mesmo aqueles que percorreram as morgues, procurando inutilmentenos corpos calcinados e desmembrados os despojos dos seus entes queridos, ficaram.Havia um Moçambique a construir, e não afirmava a Imprensa que foram as ForçasPopulares de Libertação, o braço armado da Frelimo, que defenderam o povo e puseram fim à contenda que ceifou vidas e haveres, que destruiu quase totalmente o parque industrial de Lourenço Marques? Não diziam que foi a Frelimo o símbolo da Paz, a abençoada pomba branca dosconturbados dias de Setembro de 1974?Que importavam as afirmações de testemunhas oculares, de sobreviventes, que viramhomens, armados e fardados com os camuflados da Frelimo, assassinando pessoasindefesas e saqueando residências, embriagados no mesmo álcool sanguinário? Queimportava — ou continua a importar tudo isso — se os comunicados oficiais e osartigos de Fernando Couto e de seu filho Fernando Amado Couto, dois jornalistas portugueses apregoadores das virtudes frelimistas e dos dons de líder de SamoraMoisés Machel, afirmaram não ser verdade, nas páginas do «Notícias»? Não se passara nada de anormal em Moçambique?Mas nada, absolutamente nada. Apenas o poder efectivo popular estava na rua eos crimes tinham a denominação de acção revolucionária. Havia um país a construir ea ocorrência era de rotina. Almeida Santos diria, exactamente um ano depois, jáaboletado no Governo de Portugal a que se grudaria:
«Que não tenha sido possível evitar incidentes ao nível de populações carre-gadas de ressentimentos, é algo que só não compreenderá quem se situe fora domundo real e persista em elaborar os seus juízos a partir de um momentohipotético e fantasista. Isto para não ter de recordar que alguns dos que maisnos criticam foram directamente responsáveis por
esses
incidentes. Estou alembrar-me da desastrada insurreição do Rádio Clube de Moçambique quecausou à descolonização danos de incalculável dimensão...»
A fantasia ou a desinformação estavam, como o futuro viria a provar, comAlmeida Santos. Pois embora o seu Governo aconselhe e exija que é necessáriodesdramatizar a descolonização, a escalada do terror apenas em Setembro de 1974teve início. Essa data foi a partida para o desastre. O estertor prolongou-se.A história de Moçambique, como país, só então nascia. Mas era escrita com letrasde sangue.
8 ÊXODO: RESCALDO DO MEDO
Construir um forte país era a intenção generalizada em quantos, brancos e negros,ficaram em Moçambique após o 7 de Setembro. Pouco tempo volvido, porém, quandoa população portuguesa se resume a uma minoria sofredora que martela pregos nosseus contentores e procura passagens nas agências de viagens, todos receosos de mais um Decreto, de mais um discurso de Samora Machel, de mais uma onda de prisões,merece a pena recordar o que foram os últimos meses de terror. Nas cidades, e poucos meses volvidos após a Independência, assiste-sea espectáculos que jamais se imaginariam:Longas bichas de gente, de todas as cores, estendem-se junto aos Consulados dePortugal, formadas desde as madrugadas. Mulheres negras e mestiças, velhas e jovens, buscam homens solteiros, jovens ou velhos, para casarem por um dia paraque, mercêde um simples documento legal, possam ser consideradas portuguesas, adquirindo odireito a um lugar ao sol em terras lusitanas. Mulheres mestiças e negras, jovens evelhas, pedem, imploram nos cafés, nos bares, nos restaurantes, nas ruas, quequalquer português idoso as perfilhe, por piedade, para abalarem de qualquer modo,de bolsos vazios, de roupas coçadas, de olhos fartos de chorar, a caminho dodesconhecido europeu que para todos simboliza liberdade.O que motiva este êxodo? O que obriga e empurra os jovens negros para os balcões do Consulado, levando como documentos de identificação a caderneta mili-tar e as mais diversas condecorações de combate, e, implorando primeiro, pedindodepois, exigem a nacionalidade portuguesa? Não era na realidade a Frelimo o guia do povo? Estariam errados os governantesde Lisboa ao prometerem que as vidas e os bens dos portugueses estavamdefendidos, quando os próprios naturais se sentem inseguros e assustados?O que sucedeu então?Quem destruiu e como foi destruída a esperança que fez chorar de alegria osolhos de tantos moçambicanos na noite de 25 de Junho de 1975, na grande noite daIndependência, para que os mesmos olhos chorem agora de desespero e de revolta?Onde está a liberdade, a tão apregoada liberdade, quando os calabouços são poucos para os milhares e milhares de reclusos que não sabem porque foram con-denados; para as centenas de pessoas que em campos de trabalho pedem por cle-mência a morte, desconhecendo em que razões se baseiam os seus algozes para osindescritíveis tormentos que lhes infligem, dia após dia, sem que um tribunalqualquer os absolva ou condene?Onde está a liberdade, após a Independência?Estará na fome que mata as enfraquecidas populações do interior, nas longas bichas formadas desde as primeiras horas do dia nas ruas das cidades e das vilas em busca de um simples pão para a boca, nas agressões dos homens fardados do Partido,nas arbitrariedades dos oportunistas que formam os Grupos Dinamizadores e as Comissões Administrativas de Trabalhadores, no poder cego e maligno concedido aosComissários Políticos, que dispõem da liberdade e da vida de quantos lhes caem nasmãos, nas promessas de guerra com países que sempre respeitaram os princípios básicos das leis internacionais de vizinhança, ou nos discursos agressivos doPresidente da República Samora Machel?Então, é essa liberdade a razão do êxodo dos portugueses, dos indianos, doschineses e, sobretudo, do próprio povo moçambicano. E é em nome dessa liberdade,que encheu de parangonas a Imprensa mundial, é em nome da pureza ideológica e da unidade dos princípios revolucionários marxistas, que todos os dias, a todas as horas,em todas as regiões de Moçambique, as forças da Frelimo, o grande exército do proletariado, composto por operários sem indústrias, e por agricultores semcampesinato, fardados e armados, aquartelados e alimentados pelo Governo, vai praticando as mais mesquinhas vinganças, apoiado por denunciadores que atiçamódios em troca de situações políticas e de emprego.Motivos para as capturas não é necessariamente importante que existam. Maseste estado de espírito colectivo obriga a que o filho busque o pai junto das auto-ridades do Partido, a mulher o marido, o marido a mulher, o pai o filho, quandoqualquer deles demora no regresso ao lar. Em cada ausência imprevista todos os seusfamiliares pensam que o ausente está na prisão, onde se encontra fulano (que ninguémsabe porquê), onde está beltrano (parece que sem motivo), onde estão ou estarãotodos os nossos amigos e inimigos.Estará neste regime drástico de pavor, de intimidação, a causa do êxodo do povomoçambicano com rumo a Portugal, ao Malawi ou à África do Sul?Por isso e por muito mais. O terror impossibilita a expressão do pensamento. Oque se sabe ouve-se ciciado a meia voz por amigos de muita confiança e em lugaresonde mais ninguém se encontra. Quando é iniciada uma conversa logo alguém afirmaatemorizado: «Se não se calam eu vou embora. Não quero ir para a cadeia».
É neste clima psicológico que eu iniciei a Reportagem a que me propus,desafiando, com a minha atitude, as represálias da Frelimo, da mesma forma que aenfrentara, de máquina fotográfica e de caneta, nas nervuras traiçoeiras dos capinzaisdo interior, em Reportagens de guerra.E a minha afronta era continuar a falar, já que não me era permitido escrever. Umdos indivíduos que mais vezes me mandava calar era o dr. B., um advogado. Homemidoso, honesto. Reside em Moçambique há mais de trinta anos e não possui fortunanem economias. Aderiu na primeira hora à Frelimo, mas com honestidade. Aprendeua dedilhar todas as teclas do socialismo científico, empregando as teorias de KarlMarx e de Friedrich Engels quando queria convencer interlocutores poucoacostumados a divagações filosóficas.Aceitou com prazer a dupla nacionalidade sem trair Portugal, comprando destemodo o mais caro bilhete para o Inferno. Nacionalizaram-lhe o escritório.Congelaram-lhe a conta bancária — uma ninharia que não lembrava ao Diabo.Decidiu, como recurso de subsistência, dedicar-se ao professorado e foi admitidocomo professor de Direito Comercial e de Noções de Comércio. O vencimento queauferia, com esta nova profissão, não satisfazia a sua forma normal de vida masalimentava-o e vestia-o. Conhecia pela primeira vez na prática o comunismo queaprendera em teoria.Foi saneado por informação de uma jovem professora primária, inexperiente, masfrelimista, presente sempre à abertura de latrinas e às machambas do povo, com a suaenxada oportunista que a levou, de um dia para o outro, de incompetente professorarecém-saída do Magistério a inspectora provincial dos Serviços de Educação emembro influente do Departamento de Educação e Cultura. O seu nome interessa para quando for feita a biografia dos traidores de Portugal — é portuguesa, e cruzará,qualquer dia, contigo em Lisboa. Trata-se de Fernanda La Salette Teixeira.O dr. B., porém, considerando-se comunista, e por amizade, aconselhava-me moderação no falar, quando eu referia injustiças, quando eu falava sobre ocorrên-cias que vinham chegando ao conhecimento da Delegação do jornal. Respondia-lhesempre: —
Vocês falavam e deixaram de falar. Eu escrevia e deixei de escrever...
Na verdade eu deixara de contribuir com os meus trabalhos para o preenchimento das páginas do «Notícias da Beira». As minhas Reportagens iam pouco além dosdiscursos de gente influente do Partido — que me eram entregues pelo Departamentode Informação e Propaganda, e de descrições, mais ou menos curtas, claras econcisas, dos ambientes onde os discursos eram pronunciados.Reportava as manifestações, entrando sempre em choque com os exageros que lianos outros jornais, tanto no que se referia ao número de manifestantes como aoentusiasmo popular.Escrevi sobre a «Campanha de Saneamento do Meio Ambiente», iniciativa comque o Governo tentou lutar contra a doença, mandando abrir latrinas junto a cadaresidência, lugar de trabalho ou de concentração de massas, obrigando os brancos portugueses, das cidades, a abandonarem os seus lares nas madrugadasdos domingos, para voluntariamente abrirem, à força de enxada, junto aos casebres dosnegros do interior, os buracos onde estes depositariam os excrementos.E era feita chamada pelo secretário do Grupo Dinamizador do bairro, e registadasas ausências, que, em falta de forte «sagwate» (gorjeta), seriam levadas aoconhecimento das estruturas superiores do Partido.Esses brancos voluntários ouviram, como eu ouvi, grupos de negros negarem-se acolaborar, afirmando alguns:«Se não comermos não cagamos. Temos fome. Tragam-nos comida!»Os brancos portugueses, porém, sujeitaram-se a todos os vexames, e isso fui euobrigado a silenciar, quando, nessa humilhante sujeição, se encontrava verda-deiramente a notícia que interessava a qualquer profissional de Imprensa. Mas aslatrinas foram um fracasso, pois não haviam passado de um capricho do ministro daSaúde, dr. Helder Martins, um dos dirigentes da Frelimo e um dos vinte médicos queficaram em Moçambique depois da Independência, para assistirem a umapopulaçãode nove milhões de pessoas.As latrinas foram um fracasso mas proporcionaram, para gáudio dos dirigentes doPartido, motivos suficientes para amesquinharem o português, para o humilharem, para o rebaixarem.Que prazer sádico, que torrentes de gargalhadas, a substituir o tradicional rilhar de dente raivoso, teriam despejado os generais sem estrelas do Partido quandosouberam que, por ordem do comissário político de Tete, um grupo numeroso deguerrilheiros, armado de Kalashnicov, invadiu a Igreja da cidade e expulsou todos os cristãos, alegando, como motivo para a selvática vassourada na Religião: «Hoje é Diade Latrinas, não é Dia de Deus».Esqueceram-se os fanáticos socialistas da verdade de Claude Prévost, que tão bem se adapta à sua marxizante atitude: «Dizer merda para Deus é prestar-lhe ahomenagem de que Ele existe, o que deve ser a sua reivindicação estruturalmaispremente...».Desta forma eu, não escrevendo o que queria, não escrevia o que o Partidodesejava e ordenava. Mas aprecie-se, para necessário esclarecimento da situação daImprensa moçambicana poucos meses após a Independência, os trabalhos apresen-tados numa edição que passou a ser normal do «Notícias da Beira», escolhida aoacaso:«Objectos imediatos do Partido na política interna é externa»Trata-se de um artigo que refere um Congresso do Partido Comunista da UniãoSoviética, em notícia da agência noticiosa comunista «T.A.S.S.».«China — Carta de oito pontos sobre a produção agrícola»O autor é Paig Ming e o artigo foi extraído do «Chine Features».«R.D.A. na via do socialismo — A construção socialista» Não traz assinatura mas a origem é comunista e refere-se à Alemanha Democrática.«O Congresso da Paz e do Bem-Estar»É da autoria de Vladimir Lomeixo, soviético.«Conquistas do Socialismo — O sistema educacional da R.D.A. — Informação documental» Não assinado, o trabalho é possivelmente da autoria de um dosredactores comunistas do jornal, salientando-se que José Quatorze havia, há pouco,regressado da Alemanha Vermelha, onde se deslocara com o patrocínio da Frelimo. Oconteúdoda prosa refere-se à educação na República Democrática Alemã.«Cinco anos do Tratado de Moscovo»É seu autor Y. Zakharov e foi retirado do «International Affairs».«Desencadear a grande ofensiva para libertar a mulher»Artigo local, de espírito marxista, distribuído pelo Departamento de Informação ePropaganda do Partido.O jornal tem ainda mais algumas pequenas locais, com ideologia comunista, e,finalmente, uma notícia de Portugal com o mesmo teor ideólogo:«Octávio Pato denuncia conluio da Direita»Falta examinarmos as gravuras:Mao-Tsé-Tung, a três colunas, com a seguinte legenda: «Mao-Tsé-Tung:Grande revolucionário e líder da revolução popular da China, transformada hoje,apenas em pouco mais de trinta anos, num dos países mais progressistas do mundo. Doterritório colonizado e pilhado pelas potências ocidentais, através de uma linha justa, aRepública Popular da China obteve estrondosas vitórias nos mais diversos sectores dasua vida.»Outra, de um grupo de crianças loiras tomando uma refeição. A quatro colunas,assim legendada: «Os jovens na República Democrática Alemã dispõem de um ensino verdadeiramente revolucionário, que lhes permitirá prosseguir, concluídos osvárioscursos, a consolidação das vitórias socialistas. Pondo a ciência e atécnica efectivamente ao serviço do povo, o sistema socialista tem alcançado, ano apósano, sucessivas e consideráveis vitórias no caminho do progresso, do bem-estar social,daigualdade social.»O exemplar do «Notícias da Beira» a que jogo mão é o n.° 9455. Serãoo «Pravda», ou o «Izvestia», mais comunista do que ele? Este exemplar da Imprensamoçambicana teria maior aceitação nas ruas de Pequim, de Moscovo ou de Berlim, doque nas artérias da Beira, de Lourenço Marques ou de Nampula. E, por mais descabida que pareça a afirmação, os seus «fazedores» são portugueses,mostrando todos eles, cinicamente, mercenariamente, uma adoração cega, quase umcasamento com as directrizes do Governo e com as ordens da Frelimo.O fim em vista desta actividade da Imprensa foi ganhar, com propagandas integradas numa campanha organizada, mais adeptos à ideologiaimportada para escravizar a maioria. E como numa guerra os meios não contam, nemhá lugares para homens com escrúpulos — numa guerra política desta espécie,entenda-se—, enganar e mentir passou a ser a Bíblia da Imprensa moçambicana, ondeeu não me queria integrar.E essa foi, conscientemente, a razão do meu silêncio profissional, que causouestranheza a muito boa gente e alertou as autoridades governamentais.O Partido sabia que eliminada a oposição — mesmo que esta se manifestasse pelo silêncio — as dificuldades que encontraria nas massas ledoras de jornais seriamminimizadas. Deste modo estabelecia-se uma gentil troca de favores entre a Frelimoe a Informação, desde que desse entendimento sobressaísse a sujeição da última.O número de exemplares por edição, porém, diminuía. O povo alfabetizado passou a desprezar os jornais e a odiar quem neles escrevia. O Partido nãose importunou.As empresas editoras, que paradoxalmente continuaram a ser consideradas particulares, deixaram de pagar aos credores, tendo esta atitude o beneplácido do Governo. As contas de luz, de água, de telefones e telex, foramtrepando nas Execuções Fiscais sem que o Governo se preocupasse, passando aconsiderar essas dívidas aos cofres estatais como uma espécie de disfarçado subsídio.Deixou de existir o pagamento às agências noticiosas por as notícias por elasdifundidas não interessarem à informação moçambicana, passando as fontes deorigem informativa ao domínio governamental, que ofereceu regime exclusivista àA.I.M. (Agência de Informações de Moçambique) e aos serviços noticiososdistribuídos pelas repartições de propaganda das embaixadas comunistas. O papel, eoutras matérias-primas essenciais para a feitura dos jornais, começaram a ser fornecidos pelo Governo, que, ao mesmo tempo, subsidiava o aparelho bélico dedefesa das Redacções, traduzido pela presença constante, junto dos edifícios daseditoras, de dezenas de «gorilas», armados com armas soviéticas, para defenderemos
jornalistas do povo
das arremetidas das
massas populares.
Aos redactores e repórteres também pouco preocupou a situação de economiadecadente das entidades editoras, pois a receita da venda de jornais, mesmo mínima,ia sendo suficiente para os pagamentos dos vencimentos — embora liquidadoscom atrasos — e essas importâncias eram os únicos débitos que a empresaliquidaria. Aliás, o Governo e o Partido não se preocupavam em pedir contas aosmembros das Comissões de Trabalhadores, desde que estes, por seu lado, não lhessolicitassem financiamentos, permitindo este tácito acordo que os homens dos jornais se aboletassem com os restos do banquete, a seu bel-prazer. Por mim passaram débitos de garrafas de vinho, cervejas e pacotes de cigarros caros, em valesdo repórter Mário Ferro para serem liquidados pela Comissão de Trabalhadores. Eesta liquidou sem discutir, pois o crime, que se elevava a milhares de escudos, fora praticado por um membro do Grupo Dinamizador, intocável, portanto.
Os jornalistas mercenários tinham, pois, pouco a perder e muito a ganhar com avenda da sua consciência, restando-lhes, ainda, no arcaico baú das suas esperanças, oregresso a Lisboa quando a vaca não mais pudesse ser ordenhada. E ali, junto aos portugueses que tudo esquecem e que tudo perdoam, aguardariam, como tantoscontinentais, assíduos mostruários de cafés sofisticados, que a política deharaquirismo de Álvaro Cunhal tomasse de assalto, com a conivência dos acordantesde Lusaka, ou de parte deles, os comandos estratégicos de Belém e de S. Bento.Foi neste ambiente de traição que escrevi a Reportagem que só agora ides ler,iniciada e quase completada em Moçambique, na relativa insegurança de uma semi--clandestinidade jornalística, alheio totalmente a quaisquer submissões à tutela mar-xista da Frelimo. Nela se encontrarão alguns esclarecimentos a factos que as auto-ridades portuguesas teimam em considerar secretos, para por eles nãoresponderem perante os portugueses.Aceito as consequências do meu acto. Ele tinha de ser praticado.l Preso em Quelimane após a queda do Governo a que pertencia, foi diversasvezes agredido na prisão. Velho e puro democrata, abandonou a prisão para morrer nasua residência. Um dos seus assassinos foi Castro Lobo, já então elemento directivodo P.I.C.

SEGUNDA PARTE
UM MOÇAMBIQUE A DESTRUIR
9. A GERALDINA FRANCISCAE AS CONTRADIÇÕES DE SAMORA
Corria a manhã de 10 de Dezembro de 1975, uma manhã quente e húmida, domais tórrido verão moçambicano.Chovera durante a noite, e as terras ressequidas retiveram a água que, evapo-rando-se com o calor da manhã — quarenta graus marcava o barómetro—, formavauma pegajosa humidade que me molhava o corpo. No meu gabinete da Delegação eu dava por finda a tarefa do dia, adiando unstrabalhos que tinha entre mãos, pois o aparelho de ar condicionado avariara uns diasantes e o ambiente sufocava. Tete, cidade que sempre afligiu os europeus, punha maisuma vez em experiência a sua resistência a climas do Inferno.Preparava-me para sair quando uma mulher ainda jovem, de olhar assustado,molhado por lágrimas recentes, me travou o passo. Contou-me uma longahistória
e,
pediu-me que a publicasse no jornal.Chamava-se Geraldina Francisca e era parteira do Hospital da ZAMCO, no Songo,o consórcio empreiteiro construtor da barragem de Cabora Bassa.Meses antes, e depois de ter sido perseguida por um comandante da Frelimo, echefe do Corpo de Polícia de Moçambique naquela localidade, que a desejava paraamante, passou a ser vítima de diversas injustiças permitidas pelo poder do jovemcomandante. Eram perseguições exercidas por todos os meios, difamações e insultos,sem que ela — dizia-me — lhe retrucasse qualquer palavra, ou gesto, que a ele desseoportunidade de a deter. —
Eu enojava-me o homem. Era um mulherengo e eu sou uma mulher séria.Não quero dizer que já não tivesse tido um marido, mas desse gostava. Mas ocomandante queria-me para amante, mesmo havendo em Cabora Bassa umaporção de mulheres mais bonitas e mais novas do que eu, que não seimportavam de pôr-se à disposição dele ...
E depois?
— pergunto apressando o seu relato. —
Como nunca me conseguiu convencer —
continuou —
atirou-se a uma colegaminha, mulher que mais tarde fez barulho e foi presa. Mandaram-me chamarpara depor e, pelo caminho, quando seguia no jipe da Polícia, que era conduzidopor
um guarda embriagado, o jipe chocou com outra viatura. Fui transportada para oHospital do Songo e dali fui evacuada, em perigo de vida, para a Rodésia, por viaaérea. O tratamento custou-me quinze mil escudos.
—Se lhe aparecesse na Redacção uma carta a dizer que o Comissário Polí-tico de Tete era um ladrão, que andava a passear num bom automóvel, como umburguês, enquanto o povo passa fome, o camarada publicava?
Percebendo a maligna intenção da pergunta respondi: —
Não me apareceu nenhuma carta com
esse
teor, pelo que está forade propósito a pergunta. Não respondo.
Oh camarada!
— diz Nenhum Fica para o terceiro juiz —
Escreva isso, sim?Escreva isso! ...
O outro procura papel, não o encontra, e vai buscá-lo a uma sala ao lado. Quandoregressa já Nenhum Fica havia mudado de ideias: —
Não escreva, camarada. Essa coisa do Comissário Político ser ladrão, ede andar a passear de automóvel pode causar confusão. Ë ou não é?...
Concordam ambos e eu fico a pensar, mais uma vez, no Presidente Samora e nosseus É ou
não é?
que Nenhum Fica imita tão bem.Qual seria a personalidade daquele homem raquítico, inculto, a quem ofereceram os poderes de um Comissariado Político, esses poderes ilimitados que manejam a liberdadede qualquer cidadão nacional ou estrangeiro?Via-se que lhe entregaram uma cartilha a soletrar e que a decorara sema compreender. Nenhum Fica retorna a falar nos inimigos do povo, nos inimigos directos, indirectose camuflados, e repete a parte do discurso que lhes
é
dirigida. Não o oiço e remexo-mena cadeira, nauseado com tamanha farsa.A que conduziria aquela comédia?O que me aconteceria após o discurso bisado daquele actor semi-consciente, semi-lider improvisado ao serviço de uma ideologia esquerdista trabalhada, reelaborada, quelhe fora injectada em doses maciças superiores à sua capacidade deentendimento?Olho o relógio e penso que a São deveria estar aflita com a minha demora. Sãoseis horas da tarde, e já haviam decorrido cerca de três horas desde que ali entrara,todas elas preenchidas com os discursos de Samora Machel recozinhados na boca de Nenhum Fica.Mostro o meu desejo de telefonar para casa para
dar umas instruções urgentessobre o jornal.
Autorizam-me mas sou acompanhado por um elemento da Frelimo,um homem ridículo, antigo comerciante dos arredores de Tete nos anos da guerra, eque, por ter alimentado os guerrilheiros nessa fase crítica do Partido — o mesmo quefazia aos soldados de Portugal — merecera o lugar de
relações públicas doComissariado Político,
uma mistura de carcereiro para os
criminosos,
e demesureiro para os
patriotas.
Um guerrilheiro armado também me acompanhou aotelefone num outro compartimento, e sinto, mesmo sem olhar, o cano da suaKalashnicov apontado na minha direcção.Informo a São, como disfarce, que preste atenção e grave um programa doPartido, que iria para o ar, como todos os dias, pelas 18,30 horas na voz do jornalistaSantos Martins, e afirmo-lhe que estou no Comissariado Político, que não existem problemas, e que quando saísse seguiria directamente para casa ou lhe telefonaria.

Abandonei contente o compartimento de onde telefonara, pois tinha informado afamília do lugar onde me encontrava.Mal penetro no gabinete volto a ser interrogado por Nenhum Fica: — O camarada... o senhor... acha que procedeu bem ao enviar a carta para o jornal?... Acha que prestou um bom serviço ao Partido e a Moçambique?... Ou, pelocontrário, fez o jogo do inimigo da Revolução Socialista? — Cumpri apenas o meu dever — respondo—. Estas cartas destinadas à Parti-cipação Popular nem sempre passam pelas minhas mãos. Podem ser remetidas directamente pelo Correio, bastando apenas que o seu autor se identifique.A carta da enfermeira Geraldina passou por num, mas podia não ter passado. Era publicada na mesma.Interrompeu-me: — Estão a ver?... Ele está a... Como se diz Está a...Quero ajudar o meu juiz mas receio que a minha interferência sejamal interpretada. A ajuda partiu do seu camarada Cândido: — A divagar ... — Isso mesmo. Sempre gostei muito desse termo. Divagar... Ele está a divagar,não é isso camaradas? Ë ou não é?...Escreve a palavra divagar num bloco que lhe é posto sobre a secretária e usariaesse termo mais dezasseis vezes durante a reunião, olhando sempre para o blocoantes de o pronunciar. — Camaradas — diz o Advogado do Diabo—. O camarada Passos parece queestá nervoso. E falando para mini: Alguma vez ouviu falar que aqui batiam, amar-ravam ou prendiam? Responda com franqueza! — e sorriu-me piscando um olho.Atribuo um preço à minha resposta. O que me valeria a mentira, se afirmasse quedesconhecia as arbitrariedades de que muitos meus conhecidos foram vítimas, alimesmo, no lugar onde eu me sentava, abandonando aquele gabinete repletodesangue?Lembro, só para mim, a agressão bárbara de que foi vítima José Manuel, ummoço português empregado do Bar Pic-Nic. Por uma denúncia não confirmada, deuma mulher qualquer, que afirmara ser ele possuidor de armas, foram buscá-lo à suaresidência. Mal abandonaram a zona mais povoada da cidade amarraram-no, por forma a que as cordas, apertadas com rancor, lhe dilacerassem as carnes. Colocaram-nosobre um camião, e para que ninguém se apercebesse da carga que a viaturatransportava obrigaram-no a deitar-se sobre o chassis, ao mesmo tempo que oshomens que cumpriam a horrível missão de captura colocavam os pés sobre o seucorpo. No Partido — onde eu agora me encontrava — e como recepção, perguntaramaos seus captores quem era a vítima. A resposta foi curta: — Não vêem que é um cão de um português?Foi ouvido pelo mesmo trio e novamente agredido. Levaram-no para o Batalhão,nas proximidades do Aero Clube — a agremiação mais sofisticada da cidade — e todos os guerrilheiros, em número de dezenas, o pontapearam e agrediram, deixando-o bastante ferido.Uma semana depois, e por não se provar a acusação, o José Manuel foi posto emliberdade.Pediram-lhe desculpa.
«Fora um erro»
— disseram-lhe. Mas ele trazia nos ouvi-dos os enraivecidos insultos de que fora alvo, por ser português, e as cicatrizes dosmaus tratos que recebera. —
Responda de qualquer modo!
— diz o Advogado do Diabo, e eu já atribuirá o preço à minha resposta: —
Já ouvi... e vi marcas nos corpos de pessoas que caíram como eunas
vossas
mãos. Fotografias e depoimentos gravados estão em lugar seguro,
eserão
vistos e ouvidos se eu desaparecer ou quando algo de anormal meaconteça.
Pareceu-me ser ódio, espanto, o que vejo no olhar de Nenhum Fica. Ele estava detal modo seguro na pele de inquiridor que não desejava, nem a sua formação políticalhe permitia, ver em mim mais do que uma massa informe, despersonalizada,esmagada ao peso da culpa e do medo. —
Tem então medo de ser preso?
Não respondi. —
Fizeram-te uma pergunta!
— empertiga-se Nenhum Fica. —
Ele está nervoso. Deixe-o lá, camarada!
— interveio o Advogado doDiabo. Nenhum Fica rectifica-o: —
Não podemos ser comedidos com os inimigos do povo, especialmentecom os inimigos camuflados.
Esses
estão no nosso seio e atiram-nos balas deaçúcar, que ferem mais do que as balas dos inimigos directos — os soldados doexército colonialista que derrotámos. Parecem ser dos nossos e não são ...
E voltei a ouvir, tim-tim por tim-tim, as palavras do discurso de Samora Machel,sentindo que tudo aquilo era de mais para os meus nervos submetidos a tensão.Tornam a ler-me a carta da Geraldina Francisca, a fazer sobre ela reparos, e ordenamque fizesse a minha auto-crítica.Respondo que mais nada posso acrescentar. Que cumpri o meu dever de jor-nalista. Que me era impossível proceder de outro modo. Que em idênticas circuns-tâncias voltaria a proceder assim ...Sou interrompido: —
É uma ordem. A partir deste momento tudo o que escreveres teráde passar primeiro por
este
Comissariado. Ouviste? É uma ordem minha... Ëuma ordem do Comissário Político Nenhum Fica...
E iniciou um discurso: —
Escreva aí, camarada! ...
Pela primeira vez o Cândido pega na caneta e preparou-se para escrever numafolha de papel virgem: —
O jornalista Inácio de Passos... como é o nome todo dele, comoé? Dito-o para o papel. Ele prosseguiu: —... é um reaccionário e um inimigo do povo. Provou-se que lhe foi possívelevitar a publicação da carta da camarada Geraldina. Com a sua atitude... Está bematitude, camaradas? ...Há gestos de apoio. —... com a sua atitude beneficiou os inimigos da Revolução. É um inimigocamuflado, mais perigoso do que os inimigos directos e indirectos. £ um dessesinimigos que estão no nosso seio e que nos atiram balas de açúcar que ferem mais doque as balas dos inimigos directos. Camarada, escreva isso tudo. Ë muitoimportante... Parecem ser dos nossos e não são. Estão camuflados no nosso meio.Imitam os nossos gestos, as nossas atitudes... Ganha a batalha e conquistada a inde- pendência, total e completa...Interrompeu-se: — Está a escrever tudo, camarada Cândido? Está? ... O outrorespondeu afirmativamente. — ...aparece um novo inimigo. O inimigo que ontem nos atacava de umaforma, ataca-nos hoje de outra, procurando destruir-nos através dos seus agentes.Quem são esses agentes?...Vejo que a pergunta não me é dirigida e o Cândido e o Advogado do Diaboolham um para o outro. Nenhum Fica levanta-se, querendo parecer imponente, e,dirigindo-se na minha direcção mas olhando além do meu corpo, como se falasse para uma multidão de ouvintes entusiasmados pela sua dialéctica, terminou, de braçoerguido e punho fechado: — É a burguesia! ... É a burguesia! ... Ê ou não é? ...Dão-me a liberdade depois da interminável lenga-lenga, sublinhando NenhumFica que por ora estava livre mas que não me era permitido abandonar a cidade.Reencontro a rua e respiro com sofreguidão o ar cheio de perfumes da noite.Apetece-me beber um copo de cerveja em qualquer lado, como se uma febre interior mequeimasse as entranhas. Dirijo-me ao Bar Pic-Nic, mas já se encontra encerrado. Eu perdera a noção do tempo. Pergunto as horas: Passa das dez e meia da noite. Haviamdecorrido cerca de oito horas desde que me sentara no gabinete do ComissárioPolítico da província de Tete.A cidade parece-me menos feia. O ar quente da noite é absorvido com prazer pelos meus pulmões saturados do fumo que receberam no gabinete acanhado de ondesairá.Entro num café, ainda aberto, e tomo uma «bica»
e
um copo de água, quando ocorpo me pede cerveja. Mas o Partido decretara a proibição de venda de bebidas alcoólicas depois das vinte e uma horas. Sorrio para toda a gente, sentindoquetodos conheciam a minha história como se ela pudesse ser lida no meu rosto.Repito o café com prazer, com deleite, com sofreguidão.Uma criança da idade do meu filho passa junto de mim, aproxima-se daminha mesa e acaricia-me com o olhar. Sinto que a minha mão é atraída para os Encarreguei a São de destruir tudo o que me comprometesse. Com a colaboração* de um moleque de confiança, há muitos anos ao serviço do meu lar, foi aberta umacova no quintal — a que o meu filho de cinco anos chamou latrina — e os objectoscomprometedores foram atirados para ela e regados com petróleo.Em poucos minutos, importantes pedaços da minha carreira profissional, arquivadoscom entusiasmo, foram pasto das chamas.A São atirara também, ingenuamente, para o braseiro outros objectos inúteis — lâmpadas velhas, frascos de «spray», etc., que encontrara na despensa, motivando uminofensivo mas barulhento tiroteio.Pode parecer ridícula esta descrição mas ela é necessária para retratar o clima deterror que se vivia, pois as prisões sem motivo sucediam-se indiscriminadamente. Eessas ocorrências, que nunca tinham honras de Imprensa, eram contadas entreamigosaumentando o cenário onde o pânico se expandia em campo propício.Um mestiço de Moatize, de nome Áfrico, afirmara junto de uma roda de amigosque não acreditava na Imprensa moçambicana e dera um exemplo: — Vocês já viram que os jornais só falam do M.P.L.A., dando a impressão de queem Angola não existem uma U.N.I.T.A. e uma F.N.L.A.?... Já repararam que se elestivessem o povo a seu lado não necessitavam dos cubanos? ...Foi preso e colocado incomunicável numa sela. À noite sua mulher caminhava narua transportando numa marmita o jantar do detido, quando foi abordada por) umamigo a quem contou a detenção do marido. Não se abriu em pormenores e o amigo afirmou-lhe que daí a pouco levaria um pacote de cigarros à prisão.Esse indivíduo, de nome Loures, levando ao prisioneiro um pacote de cigarros euma cerveja entra na área da prisão mas só a abandona quatro dias depois. Todo otempo passou-o descalço a «capinar» uma vasta área, cumulado constantemente comofensas e insultos. E não foi agredido por ser proprietário de um bar onde oscomandantes guerrilheiros se embriagam, liquidando as contas com «vales» que nuncasatisfazem em dinheiro.Tudo isto se sabia, e quantos chegavam do Sul transportavam consigo muito mais para contar na roda de amigos, ocorrências que acabavam por percorrer todos osouvidos dos assustados portugueses. Por outro lado, proliferavam os assaltos eoCorpo de Polícia de Moçambique olhava indiferente quem se atrevia a participar oroubo de que fora vítima.Os alvos dos larápios, como é óbvio, eram as residências portuguesas, os bares, osrestaurantes, os estabelecimentos comerciais, ainda propriedade de lusitanos. A estesassaltos, de que nunca eram descobertos os autores, não escaparam em Tete aRecebedoria de Finanças, O Banco de Moçambique, e o Instituto de Crédito,mostrando o à vontade com que as quadrilhas actuavam.As mulheres temiam sair à rua para não chocarem com esbirros da Frelimo, ereceavam ficar em casa para não serem agredidas pelos larápios. A cidade rés piravamedo
e
via-se na forma de falar, nos gestos, nas reacções de todos os habitantes, quese estava às portas do pânico.
Ao se imiscuir nos assuntos africanos — e Angola é o mais cabal exemplo — aUnião Soviética não esconde os seus interesses imperialistas. Pelo contrário, mostra-os claramente como dominadora.Onde estranhar, então, que Samora Machel, sacrificando ainda mais o povo doseu país, proporcione a Moscovo a tentativa de desmantelamento dos governosocidentais africanos, atirando o sub-continente para a guerra? Mas quem se espantaainda, se olharmos à obsessiva mescla de sadismo e de ódio que dirige todas as suasúltimas atitudes políticas?
15. O CAOS ECONÓMICO
«Destruiremos a pobreza através de uma estratégia económica correcta,baseada nas necessidades do povo. Sabemos o que o povo quer e o nossoproblema central c destruir a estrutura colonial que está profundamentearreigada. Por isso temos que libertar os espíritos das pessoas, libertar a suainiciativa criadora. Assim, definimos as aldeias comunais como locais onde opovo está organizado, executará tarefas definidas, terá programas, e utilizarácorrectamente as suas próprias forças. E o desenvolvimento começará no campoe será apoiado pela indústria...»—
afirmou Samora Machel ao jornalista D. Martin,do «Observer», quando aquele repórter focou o problema da miséria do povomoçambicano, já impossível de disfarçar.Segundo o Presidente Samora Machel, para vencer os graves problemasde economia que afectam Moçambique, é apenas necessário libertar o espíritodas pessoas. Libertar a sua actividade criadora é enclausurar o indivíduo emcampos de trabalho — aldeias comunais — e dar-lhe tarefas definidas — trabalhoforçado.Poucos meses após concedida esta entrevista os resultados da medicação comu-nista estão patentes aos observadores. Mais uma vez os modelos extraídos de umasituação histórica estranha a um país, transportados para ele dão como resultadoofracasso.Do interior do país, em intermináveis caravanas, milhares de agricultores famin-tos, que recusam o trabalho forçado nas machambas colectivas instituídas sob terror, buscam protecção nas cidades onde os empregadores escasseiam: as indústriasencontram-se paralisadas ou são dirigidas por inexperientes comissões administrativas,as empresas economicamente sólidas vão-se enfraquecendo com as exigênciassalariais, a construção civil, parcialmente amorfa desde a Independência, foi forçada acessar completamente a sua actividade com a nacionalização dos imóveis, e aactividade bancária, que já desertou do interior, não concede créditos por não possuir uma carteira de depósitos que justifique uma actividade credicial.As avalanches destes agricultores, que se sentem desenraizados nas florestas decimento, aumentam o palco da fome, bordão que os apoia para as veredas do crime.Os estrangeiros partiram, em busca de liberdade, para os países ocidentais, e osmoçambicanos negros, que por motivos diversos não podem imitar-lhes a fuga, passam clandestinamente as fronteiras para a Rodésia e para o Malawi. Na área da Angónia,cerca de quarenta mil moçambicanos internaram-se por terras estrangeiras entre Novembro de 1975 e Fevereiro de 1976, procurando do lado de lá o direito àiniciativa privada, ao trabalho livre, à própria liberdade individual. Isto confidencia-me um administrador de Distrito, recentemente nomeado pelo Partido.Em qualquer região do globo onde uma política deseje ser bem aceite pelasmassas a fome terá de ser destruída por meios locais. Os governos comunistas, porém, dão aos problemas, sejam quais forem, uma interpretação ideológica, jáque para eles não existe área de actividade livre de ideologia. Lendo emcartilhas alheias, interpretam o seu povo com olhos de estranhos no lugar e no tempo.Os sucessos obtidos muito longe do pequeno mundo que governam, são consideradoscomo certezas de sucesso no seu mundo.Passam-lhes despercebidos os anseios do povo e as suas tendências naturais.Obedecem à União Soviética, a única pátria pura para eles, aquela que não lhesmerece a mais pequena crítica e que é espelho do comportamento a que obrigam oseu povo. A União Soviética sabe que o socialismo em liberdade poderia ser terrivelmente perigoso para ela, bastando-lhe o exemplo de Pequim. Por isso obrigatodos os governos, conquistados pelo seu imperialismo ideológico, a que se sintamamarrados às suas ideias base, à sua directriz, às suas determinações, passando acontar, para os governantes fantoches, primeiro o agrado moscovita e só depois o bem estar do seu povo. E não há nada mais doloroso do que assistir às constantestentativas para aplicar a um país africano, no final do século XX, as teorias, possivelmente usadas com relativo sucesso por Lenine na Rússia em 1917.O resultado da experiência pode encontrar-se já no caos económicode Moçambique e não vale a pena culpar o colonialismo para atirar poeira aos olhos dosobservadores, como disfarce simplista
e
grosseiro. Para o Governo, porém, e para aImprensa que o adula, pouco importam, no momento, as realidades subterrâneas se afachada construída resiste. Vejamos, pois os graves problemas da economia, e como justifica a Imprensa, ou tenta justificar, as faltas de produtos de primeira necessidadeque contagiam a fome a quem ainda tem meios económicos para a debelar:
«A falta de farinha de milho no mercado, alimento básico das populações demenores recursos, deve-se à inexistência de milho, em virtude de umaavaria registada no desvio ferroviário...»«...a propósito da escassez de pão de trigo, neste aspecto não existe falta dematéria-prima, mas as empresas lutam com falta de pessoal qualificado para obternão só o máximo rendimento da linha de montagem em funcionamento, tuasainda para pôr em funcionamento uma nova linha de montagem
...»«...o
pão de trigo que tem aparecido nas últimas semanas, para além de serpequeno, é de fraca qualidade. O pão apresenta-se compacto e isso deverá sermotivado pela falta de sal ou de levedura e ainda devido a misturas...»
Isto escrevia-se no «Notícias da Beira» no dia 12 de Março de 1976, mas o povonão aceitou as justificações inventadas e reclamou, sendo necessário o uso da força policial em diversas bichas formadas em vários estabelecimentos da Beira. O jornal foi forçado a mudar a sua forma de observar o problema e, na edição seguinte, afirmavacautelosamente:
«Têm-se registado, nos últimos tempos, uma falta considerável deprodutos de primeira necessidade para a alimentação. As causas para a existênciadesta situação são variadas. Entre elas destacamos avarias técnicas e
escassez
deabastecimento por parte dos centros produtores ou por quebra de produção oupor falta de transportes. O que é certo é que a falta de produtos alimentares temsido muito sentida pela população. Entretanto, prevc-se que já esteja normalizadoo abastecimento de arroz. O carregamento do produto, vindo do Paquistão, jáchegou, e a partir do início da corrente semana começou a ser distribuído nomercado. Por outro lado, junto às padarias, têm-se formado ultimamente grandesbichas para a aquisição de pão, em virtude da quebra de produção registada
...»
Sob o domínio da embriagues política, os jornalistas vão enganando os leitorescom meias verdades, dando-lhes esperanças infundadas, aguardando com paciênciaque os peditórios, feitos a nível internacional pelo Governo de Moçambiqueresultem, para que o povo tenha alguma coisa para enganar a fome.Será aberrante acreditar, porém, que esses auxílios venham solucionar o caoseconómico do país sem um esforço interno e este não existe. A produção é nula e ossalários treparam, após reivindicações exageradas, cinco e seis vezes. As primeirasexigências salariais, após a Independência, tentaram colocar o salário mensal mínimoà razão de 600 escudos diários, e a justificação que encontravam para a tola exigênciaera política e revolucionária: Terminar de uma vez para sempre com os antigosexploradores, os exploradores feudais.A generosidade governamental, que não se elevou a esse extremo, encaminhoudezenas de empresas à falência, causando maior número de desempregados. Simul-taneamente os técnicos, perseguidos, injuriados, regressavam a Portugal e osseuslugares eram preenchidos por operários inexperientes a quem era proporcionada uma reciclagem que, mesmo assim, não os preparou para tirar partidodas máquinas demasiadamente sofisticadas para os seus frágeis conhecimentostécnicos.Grandes complexos industriais paralisaram temporária ou definitivamente a suaactividade, mas mesmo dessa caótica situação o Governo moçambicano quis tirar partido político inventando culposos.Dou, como exemplo, o que se passou na C.I.G.O.M.O., importante empresa detransformação de sisal, situada na zona industrial de Nacala. Esta empresa passou ater, após a Independência, um encargo de salários da ordem dos 900 mil escudosmensais, e o jornalista encontrou como motivo para a sua paralisação temporária oseguinte:
«Os Estados Unidos da América eram, nos anos anteriores, osprincipais consumidores deste produto da indústria moçambicana, mas, napresente fase, ainda não se mostraram interessados na sua compra. Algunsresponsáveis daquele complexo industrial pensam que a posição dos EstadosUnidos da América seja motivada por razões de ordem política.»
Esqueceu o jornalista Mário Ferro, autor deste bocado de prosa publicado no«Notícias da Beira», que os responsáveis que assim pensavam — e pensariam mesmo? — eram os membros do Grupo Dinamizador da empresa, membros políticos, portanto. Não disse, também, que as exigências dos trabalhadores — sancionadas pelo mesmo Grupo Dinamizador — e a diminuição de produção, criaram à empresadificuldades de carácter económico-financeiro que se fizeram sentir no preço do pro-duto, colocando-o muito acima da oferta da concorrência internacional.Atirou apenas as culpas aos Estados Unidos da América, um país de políticaocidental, boa razão para mais uma vez se apreciarem as vantagens do comunismo.Esvazia-se o capitalismo de uma virtude, implantando mais solidamente no coraçãodas massas o amor ao socialismo russo.A produção de açúcar baixou em cerca de 60 por cento na primeira apanha após aIndependência, e a Imprensa disfarçou o fracasso acusando os agricultoresestrangeiros de sabotagem económica. Foram saneados os dirigentesadministrativos,estrangeiros também, mas a verdade tornou-se impossível de camuflar por mais tempo: A produção baixou por falta de trabalho e pela existência deliberalismo e de anarquia na classe trabalhadora.A decepção dos dirigentes, quando constataram que a classe operária se batia acimade tudo pela sua comodidade individual, manifestou-se com rancor. A Imprensaacusou os trabalhadores de terem deixado na terra grandes quantidades de cana por colher.
«Foi cortada a 60 centímetros do solo!»
— explicaram os jornalistas, usando asmãos como fitas métricas. Houve reuniões com as estruturas do Partido.Os comissários políticos encontraram-se com os trabalhadores nos próprios locaisdetrabalho. Deram-se «vivas» ao Presidente Samora Machel e à Frelimo. Mandaram-se «abaixar» a preguiça e os malandros. E os trabalhadores gritaram e aplaudirame cantaram canções revolucionárias. No dia seguinte tudo continuava na mesma.A desorganização e a anarquia haviam penetrado em todos os sectores deactividade e os que desejaram suster o desastre foram encarcerados,maltratados, expulsos do país. Permitia-se que irresponsáveis se entregassem aataques torpes e insensatos aos que tentavam travar o desastre económico do paíscom a audácia que as circunstâncias exigiam. Esses, rotulados de exploradores e decolonialistas, embarcaram contrafeitos nos «jumbos» para Lisboa.Os, observadores internacionais olhavam estas bizarras cenas com curiosidade ecomentavam desfavoravelmente a política moçambicana, não escondendo oespanto que a todos causava o caminho de auto-destruição que Moçambique trilhava.Viam nas «bichas» citadinas, junto aos estabelecimentos, a montra docaos económico, da fome, da miséria colectiva, e do que viam iam informando osseus países. O correspondente da B.B.C, reportou esta situação, em curta notíciado seguinte teor:
«Nas ruas do Maputo, a antiga e rica cidade de Lourenço Marques, vivem-seespectáculos nunca presenciados. O povo passa horas, desde o nascer do sol, em longas bichas para adquirir pão. A maioria destas pessoas é africana. Outraslongas bichas, desta vez compostas por gente de todas as raças, são assinaladas junto das empresas aéreas e das agências de viagem, em busca de vagas nosaviões para abandonarem Moçambique. Embora estejamos em Março, todas aspassagens aéreas para Portugal estão esgotadas até fins de Julho.»
O correspondente da B.B.C, foi expulso de Moçambique. Não era esta a imagem que o mundo deveria colher do país, mas aquela oferecida pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano, quando discursa nastribunas internacionais, sem outra alternativa além da de renunciar à análise dos problemas nacionais para não desmistificar o Partido e a ideologia socialista.Pode deste modo sobreviver o regime comunista em Moçambique, mergulhadona doença, na fome e em perseguições? A resposta é afirmativa. A solução foiencontrada pela Frelimo, com o auxílio do Kremlin: Basta construir o homem novoenclausurando-o dentro de uma ideologia que o iniba de olhar o mundo que o rodeia,obrigando-a a uma conduta falsamente liberta.E para tanto acontecer Samora Machel possui a receita: «Por isso temos quelibertar os espíritos das pessoas, libertar a sua iniciativa criadora». Mas é dessaliberdade que milhares de pessoas fogem diariamente passando, com risco de vida, asfronteiras rigorosamente policiadas.
16. AS NACIONALIZAÇÕES
Vladimir Borodin, num artigo publicado pela Imprensa moçambicana pouco apósa Independência — com todo o destaque devido a um colunista soviético — diz queainda antes da grande revolução de Outubro de 1917, Lenine frisava a necessidade daabolição de propriedades privadas, fábricas, empresas, banca, caminhos de ferro, poissem a sua transformação em património nacional seria impossível liquidar o domínioda burguesia. E descrevia todo o processo leninista.O povo moçambicano tomava, pois, conhecimento, por intermédio deVladimir Borodin, das instruções políticas recebidas por Samora Machel dos seus patrões moscovitas.Samora Machel põe em prática, sem organização, sem estruturas económicas,sem quadros, as realizações de Lenine no princípio do século. Alheando-se às reali-dades moçambicanas, plagia todo o processo comunista de nacionalizações semmedir as consequências, sem verificar que a fuga do povo moçambicano para aEuropa e para outros países africanos se devia à não concordância com a sua política. E, não se contentando com a nacionalização das grandes empresas, com alutacontra o capitalismo, a média e a baixa burguesia, faz mais pobre a pobreza,freando o desenvolvimento económico sob um controlo estatal arcaico.Os primeiros meses de Independência caracterizam-se pela progressiva agudi-zação da situação social. As ajudas estrangeiras não resolvem o problema, poisos empréstimos não fazem mais do que incrementar o déficit. As nacionalizações, repentinas e sem estudo prévio, agravam ainda mais a situação económica efinanceira. Imprevistas, as nacionalizações vieram imediatamente a seguir a umdiscurso do Presidente Samora, e o povo não recebeu de bom grado mais essa provadeditadura.Foram nacionalizadas as terras, porque apenas o Estado, que é popular, pode ser senhor de propriedades. Foram nacionalizados os edifícios, porque as casas são do povo. Foi nacionalizada a medicina, porque a saúde é um direito do homem. Foramnacionalizadas as agências funerárias, porque é crime negociar com a morte. Foinacionalizada a advocacia, porque a Justiça é popular. Foi nacionalizado o ensino, porque todo o homem tem o direito de saber. Filosoficamente, definindo a situação,afirmar-se-ia que tudo quanto existe em Moçambique passou a ser do povo.Mas será assim?Vejamos, uma a uma, as medidas de nacionalizações e as concretas consequênciasimediatas:
AS
TERRAS
Moçambique, com uma área de cerca de 790 mil quilómetros quadrados, temgrande parte das suas terras produtivas por aproveitar. As que de maior importânciaforam até agora agricultadas deixaram de o ser ao passarem para o Estado, porque pertenciam a particulares que se viram despojados do que lhes pertencia eabandonaram o país. O Estado não possuía quadros técnicos para os substituir.As produções, mesmo assim, reduzidas em proporção à capacidade produtora dosespaços cultivados, são conseguidas em complexos agrícolas ainda organizados, amaioria multinacionais, e não em iniciativas estatais ou do povo.Toda a produção de açúcar parte de grandes empresas, nomeadamente da «SenaSugar Estates», da «Açucareira de Moçambique» e da «Maragra».Os plantadores particulares, localizados nos arrebaldes destas empresasde capital estrangeiro, que auxiliavam a produção para que as fábricas laborassem em pleno, foram os primeiros a abandonar os campos, forçados à desistência pela faltade mão-de-obra. O moçambicano menos culto negou-se a trabalhar após o 25 deJunho, ou passou a exigir salários que nenhum empregador podia satisfazer,transformando-se a mão-de-obra moçambicana numa das mais caras do mundo.Os mesmos problemas passaram a afectar a produção de chá, na mão de empresasdo Gurué, de Licungo e de Milange, nomeadamente os importantes complexos agro-fabris dos grupos «Junqueiro», «Monteiro & Giro» e «Sena Sugar Estates». Todasestas empresas baixaram as produções pelos motivos apontados, e os mesmos problemas tocaram as concessionárias de algodão, de quenafe, de arroz, de caju, detabaco e de copra, agriculturas exploradas, no tempo português, por importantescolossos económicos, que caminharam com rapidez após a Independência para o totalabandono pelas entidades empresariais, não substituídas por competentesadministrações estatais mas por oportunistas Grupos de Trabalhadores que asatiraram para a ruína.
As ricas terras moçambicanas voltavam a ser selva. Cobriam-se as ruínas e as doresdo desemprego e da fome com a bandeira marxista. Sob as bênçãos de Moscovo,Moçambique afundava-se na mais confrangedora pobreza.O que restou? Apenas aquilo que o povo cultiva junto ao casebre, produtos deconsumo corrente, em quantidades muito inferiores às carências nacionais. Moçam- bique, considerado oficialmente como um país de agricultores, passou a importar todos os produtos agrícolas que consome.E, enquanto o povo se compenetra da real ameaça soviética, o Governo segura-se àesperança das machambas colectivas, distribuídas por comunas humanas. Mas o povonão apoia nem aceita essa tão apregoada técnica comunista. Ninguém pode, de certeza, adivinhar o futuro, mas a miséria e a fome actual são já importantes motivos de meditação.
OS EDIFÍCIOS
Serviu a nacionalização dos edifícios para uma melhoria de vida das populações?Em princípio cuidou-se que esta iniciativa do Governo moçambicano, que tanto prejudicou a colónia portuguesa, viria solucionar o problema habitacional das massasmenos favorecidas economicamente, proporcionando a grande parte das famílias umlar. No dia 3 de Fevereiro de 1975 Samora Machel expressa-se neste sentido:
«Agora vocês não vão levar para os edifícios que eram dos colonizadores,para aqueles andares todos, para aquelas casas que foram vocês com o vossotrabalho que os construíram, com o vosso trabalho forçado e desumano, não vãolevar para lá as vossas galinhas, os vossos cães, os vossos cabritos, os vossosporcos. Ë ou não é?...»
E apreensivo:
«...Nem vão levar para lá o pilão. Não vão levar para lá o pilão e bater com opilão lá em cima. É ou não é?... Vocês a bater no pilão as casas vinham todascair cá em baixo. Ë ou não é?...»
Eram, pois, para o povo as casas nacionalizadas sem qualquer indemnização aosantigos proprietários (falou-se nela, é verdade!), e assim pensou o povo, ainda poucoacostumado às manobras políticas do Partido. A Imprensa, na sua boa fé fez-se ecodessa opinião, e o «Notícias da Beira», em preâmbulo a uma espécie do inquérito público, publicou o seguinte:
«O direito ao alojamento, que corresponde à satisfação duma necessidadeessencial e elementar de cada cidadão e da sua família, é objecto de umaespeculação sem limites, que conduz ao enriquecimento escandaloso de um certosector da burguesia colonial, eis uma das razões da recente nacionalização dosprédios de rendimento, expressa num comunicado oficial, no dia seguinte àmedida ter sido anunciada pelo camarada presidente. Por outro foramobjectivos concretos daquela decisão governamental liquidar o racismo, adiscriminação racial e social que ainda existem na nossa sociedade, acabar com adivisão para criar uma verdadeira unidade de todo o povo sem distinções de espécie alguma e permitir ao povo tomar a cidade, vivendo nela, deixando estade ser propriedade de um certo número de exploradores que desprezam ostrabalhadores.Um outro objectivo da recente nacionalização, igualmente importante, époder-se agora organizar no seio da cidade uma verdadeira vida colectiva, isto é,organizar a democracia no seio da cidade, de modo a que todos participem nadiscussão eresolução dos problemas da vida colectiva, criando assim as basespara o exercício do poder popular democrático, o alicerce político da nossasociedade, tal como também vem expresso naquele comunicado da Presidência daRepública.»
É isso? ... Pois bem:Cerca de um ano volvido, as rendas continuam elevadas, algumas até subiram decusto, e os edifícios vagos continuam sem inquilinos para os habitar.Apenas mudou o senhorio, que agora é o Governo da República Popular deMoçambique, por intermédio de uma nova repartição que ofereceu lugares optima-mente remunerados a um grupo de protegidos do Partido — na maioria familiaresdos membros do Comité Central — e que foi denominada Administração dos Prédiosdo Parque Habitacional do Estado, embora efectivamente a administração seja exer-cida pelo Montepio de Moçambique ... umas das estruturas colonialistas.Mas não só:Os atrasos nos pagamentos de rendas são punidos com multas, e, sendo osenhorio apenas uma entidade, as bichas nos dias de pagamento ocupam quilómetrosde artérias citadinas.O povo foi traído pela demagogia governamental e continua a viver onde sempreviveu, sentindo nos bolsos a mesma ausência de dinheiro para habitar a residênciaque deseja. O direito ao alojamento continua a ser comprado ao capitalista, só que ocapitalista agora è oEstado, que baseia a cobrança das rendas no seguinte:
«Tornar possível recuperar parte do dinheiro aplicado na construção ou com-pra de prédios, conseguidos através de empréstimos feitos pelos bancos estatais e queainda estão por amortizar, possibilitando, por outro lado, a construção de novashabitações, valer aos encargos das obras em curso dos prédios em construção, queestão a ser levados a cabo sob a responsabilidade do Estado a partir daestatização dos prédios de rendimento...»
Estas afirmações não podem em hipótese alguma responder às interrogações do povo ludibriado.Quanto gastou o Estado na aquisição dos imóveis?A resposta é: Nem um chavo!Os antigos proprietários devem aos bancos estatais?Mas que bancos estatais? Não passaram eles para o Estado sem queeste investisse na sua aquisição?E onde estão os capitalistas, se o próprio Governo reconhece que os imóveis, por ele nacionalizados sem dispender qualquer indemnização, pertenciam a pessoas que entre as pessoas, onde não existem novos valores, nem condições e trabalhopolítico que possibilite a formação de um homem novo.O aspecto caricatural da prostituta na esquina ou no bar à espera de clientesé apenas uma pálida ilustração do que é a prostituição. Nas concepçõesburguesas de vida e relações sociais não é prostituta aquela que usa aliança,aquela que vai à missa, ou que perfilha os padrões de honestidadeconvencionados.Também as relações entre as pessoas são eminentemente políticas.O amor é um acto político. E quantos casais na prática sabem responderpoliticamente às solicitações quotidianas? Quantos não esquecem a política noescritório onde desempenham «um cargo de responsabilidade» ou na sede doGrupo Dinamizador» onde não faltam a qualquer reunião?Para muitos a política não entra na vida conjugal, nas relações entre aspessoas, ou por outras palavras, a política, a ideologia está presente, mas é aideologia do inimigo, a ideologia reaccionária, exploradora e individualista. Porisso, não devemos pensar que, se acabarmos fisicamente com as prostitutas mais«visíveis» nos centros urbanos, acabamos com a prostituição.A prostituição é inerente a um determinado sistema, onde são dominantes asrelações de desigualdade entre as pessoas, onde a ideologia dominante permiteque se forje a prostituição. Só eliminando as causas, as próximas e as remotas, sepoderá eliminar a prostituição. O mesmo será dizer que só destruindo o sistema,a sociedade colonial-capitalista, só destruindo e eliminando a ideologiaburguesa, acampamento inimigo nas nossas cabeças, só com a criação daSOCIEDADE NOVA, com a criação de fundamentos materiais e ideológicos quepermitam a eliminação da exploração do homem pelo homem, a criação doHOMEM NOVO, se poderá eliminar a prostituição FÍSICA EIDEOLOGICAMENTE.»
Temos pois uma nova definição de prostituição. Não é o amor, nem o acto queestá em causa porque o amor
é um acto político
. Uma mulher pode ser honestadentro dos padrões da honestidade convencional, ser amiga do seu marido, ser leal aolaço matrimonial, respeitá-lo em gestos e acções, nada se lhe apontar dentro dasfronteiras da
honestidade convencional
, mas se a política — e tem de ser a daFrelimo — não entrar na sua
vida conjugal
, nas suas relações
entre as pessoas
, pratica prostituição. Não é prostituta a jovem que, solteira, dorme com o guerrilheiro da Frelimo, oucom
o
dirigente do Partido, desde que leve bem dentro de si, a política socialistamarchelista. Não são prostitutas as mulheres, jovens e velhas, que depois dos endiabrados batuques realizados nos recintos da sede do Partido — e provo com a totalidade doshabitantes das proximidades do ex-colégio João de Deus, na Beira — acabam asmadrugadas em animalescas bacanais, porque trazem dentro de si a ideologia e nãosão reaccionárias.
Não são prostitutas as camaradas do Departamento Feminino, das bases guer-rilheiras da Frelimo, que dormem cada dia com o seu camarada diferente, porque são políticas e o acto é um acto político. Nem aquelas que encontrei no aquartelamentode M. Pádua — nove mulheres totalmente sem roupa — na barraca do comandante dodestacamento.Prostitutas são todas as mulheres, de todas as raças, que não aderem àFrelimo. Prostituição praticam todos os homens que não levantam o braço, de punhofechado, aos gritos histéricos de «Viva a Frelimo».As mulheres encurraladas nos campos de reabilitação, desconhecendo a razão porque se conservaram vivas no Inferno onde viram tantos morrer, praticarama prostituição porque não frequentavam as reuniões de esclarecimento do Partido no seu bairro, no seu emprego, porque não aderiram à Frelimo. E as que morreram, vitimadas pelas balas dos seus algozes embriagados por álcool e por desejos de sangue, eram prostitutas, praticavam a prostituição, embora fossem puras de corpo, embora seconservassem honestas de pensamentos e de acções, fossem óptimas esposas, mãesexemplares e cidadãs sem mácula aos olhos da honestidade convencionada por todosnós.A sua prostituição foi, pois, unicamente política. E por isso, leitor, nos campos demorte de Bilibiza, de Mandimba, de Tebamba, de Nawá, de Ludiene, de Nova Freixo,de Mabaca, de Marrupa, da Base Beira, de Luatize, da Base Central, de Atisel, deMsauíze, do Xiconono, e de outras criadas, e de muitas outras que serão construídas, podes encontrar homens e mulheres, com idades compreendidas entre os poucos diasde vida e os oitenta e noventa anos que praticaram prostituição aos olhos dahonestidade não convencionada, da honestidade política mesmo conservando-sehonestas, mesmo pagando com a vida para continuar a serem até à morte.Foram transportadas como animais em camiões de carga para os diversos camposde morte do Niassa, numa viagem que demoraria cinco a seis dias mas que preencheu, totalmente, cerca de um mês, porque os ordenanças do delirantesocialismo de Samora Machel, os transportadores da carrada humana para o mata-douro, desejavam aproveitar a fartura de fêmeas do curral volante para assuas torpezas de sexualismo viciado e selvagem.Mulheres, crianças, entregues aos abutres que em Lusaka receberam das mãos deinsignes portugueses, seus irmãos, a resolução dos seus destinos, as suas própriasvidas.Todos nós conhecemos as fronteiras da honra e do pudor, das gentes africanas,que vergastam as mulheres desde o nascimento: São vendidas pêlos pais ao primeirohomem que lhes pague o «lobolo» e trocam de marido desde que, com dinheiro ouvalores, o novo conquistador indemniza o marido traído.E não há prostituição! ...A Frelimo, mesmo não apoiando o «lobolo», que considera uma das tradiçõestribais a afastar do povo moçambicano, admite-o. E criou, em sua substituição, ocasamento revolucionário, praticado entre os e as camaradas, a qualquer nível, a partir do próprio Presidente. Samora Machel casou com Graça Simbine, uma mulher que possuiu diversos maridos revolucionários, sem que o seu casamento fosse regis-tado em qualquer repartição além do Partido, que o autorizou.Samora Machel casara em Lourenço Marques antes de entrar narevolução. Casou diversas vezes nos anos de combate. Apoderou-se de JosinaMagaia, após ter assassinado o marido, um dos guerrilheiros de confiança do dr.Eduardo Mondlane, o comandante Filipe Magaia. Assassinou Josina Machel porquesabia demais sobre a morte do primeiro presidente da Frelimo e volta a casar comGraça Simbine depois de endeusar o nome de Josina entre as componentes doDepartamento Feminino que ela criou.Mas nunca praticou prostituição. Nem nenhuma das suas amantes. Mesmo agora,que esconde o filho à curiosidade popular por não ser negro como ele nem comoGraça Simbine sua última mulher — que também era casada em LourençoMarquesantes da revolução — não acusa a mulher de prostituição. E a razão é simples:Todos eles transportam para os actos de amor animalesco a política. Os seusactos de amor são políticos. Não são reaccionários. Não fazem parte da honestidadeconvencional. A política foi transportada para a sua vida conjugal, mesmo que essavida conjugal apenas dure horas ou meses.O que pensaria, se vivesse, da evolução marxista moçambicana, o seucriador Karl Marx?Os outros prisioneiros, as outras prisioneiras, são Testemunhas de Jeová. Per-tencem à seita religiosa sedeada nos Estados Unidos da América mas espalhada pelomundo inteiro.Lidei com os membros desta religião, com os mesmos que hoje morrem noscampos de trabalho e de extermínio da Frelimo em 1972, nas regiões de Gulemo--Balame, na Angónia, onde cerca de quarenta mil se refugiaram a expensas doGoverno de Portugal.Eram pessoas honestas e trabalhadoras.Ergueram, como se saltassem do solo de um dia para o outro, mercê da vontadeférrea do homem, gigantescos, embora precários, aglomerados humanos, que rodearamde evoluída agricultura. Eram, na totalidade, malawianos e somavam cerca de quarentamil almas.Desloquei-me, em aventurosa viagem, acompanhado de um administrador de posto de Vila Coutinho, à região onde se acolheram e onde desejavam contribuir nodesbravamento de terras, na agriculação, no progresso moçambicano. Não possuíam outra política além da sua religião e o amor ao próximo, e haviamsido expulsos do Malawi. O Portugal moçambicano acolheu-os e integrou-os semdificuldade na sociedade local.Em Agosto e Setembro de 1975 a Frelimo quis mostrar a sua presença bolchevista disfarçada de laicismo, e as quarenta mil pessoas, e quantosmoçambicanos com eles estudavam a Bíblia, tiveram de enfrentar torturas desumanas,espancamentos, roubos de dinheiro e as mais infamantes sevícias.Os homens foram despidos e muitas mulheres foram estupradas.
Em Setembro, Outubro e Novembro de 1975, congregações completasforam transportadas para os campos de extermínio, nelas se incluindo cerca de trêsmil moçambicanos, além das dezenas de milhar de malawianos que se haviam refu-giado na Angónia.Entretanto, dezenas de milhares de volumes com roupas, oriundos da África doSul, legalmente despachados nos correios sul-africanos, vistos e revistos pêlos serviçosalfandegários moçambicanos sem que qualquer atropelo à lei fosse detectado, destinadosàs Testemunhas de Jeová, eram abertos em Tete, por ordem do inspector da P.I.C., edistribuído o seu valioso conteúdo pelos combatentes terroristas da Z.A.P.U., depoisdenominada Z.I.P.A., e pêlos simpatizantes da Frelimo.Os volumes continham fatos, casacos, camisolas, vestidos, sapatos,sobretudos, ofertas de instituições humanitárias internacionais. Mas isso poucoimportou à P.I.C. da Frelimo. A Frelimo desafiava as leis internacionais, apoderando-se do que não lhe pertencia, do que era propriedade dos homens, mulheres ecrianças que assassinara ou enclausurara em campos de trabalho.E, pasmai! o mundo aceitou todo este procedimento com criminosa indiferença.Eu próprio vi os volumes armazenados nas instalações da P.I.C. em Tete, assisti àsua conferência pêlos registos alfandegários, e ouvi da boca do camarada JoséCastigo, que mostrava um rictus de estranha e patética felicidade: —
Oh Passos, isto vale mais de vinte mil contos! ...
Não respondi. Tudo aquilo que estava frente a meus olhos, ocupando todas assalas do primeiro andar do edifício, mesmo ao lado do Tribunal que deveria significar Justiça, não tinha preço monetário. Valia as quarenta mil vidas destruídas pela Frelimo.
28. O ASSASSINATODO POLÍCIA GRAÇA DINIZ
Massacres, perseguições, lentos assassinatos pela fome, pela pancada, esquarte- jamentos, têm-se acoitado à desculpa benevolente, e geralmente aceite, da política, emtodas as
gerações.Grande número destes acidentes históricos, para melhor serem tolerados e digerados pela opinião do homem comum das regiões onde eles não têm lugar, jogam com a palavra liberdade. A liberdade deu até agora um explêndido exemplar de carniceiro.Os processos de tortura têm evoluído com o decorrer dos tempos, e cada geraçãoanexa à experiência histórica das artes de matar novos processos de destruição dohomem. Cada governo tenta superar o que politicamente lhe está mais próximo, nos processos de tortura, criando organizações especializadas na morte.A Frelimo não aprendeu na História nem disso necessitou. Não lhefaltaram professores especializados na matéria.Os anos de treino na Argélia — inicialmente — na Rússia e na China — depois— criaram técnicos excepcionais na arte de matar, e vítimas para o holocaustodas macabras experiências não faltaram em Moçambique. O país é grande eexiste muito espaço desértico onde implantar bases de
reeducação, para encurralar as cobaias humanas, arrebanhadas sem escolha entre os que não apoiam os crimes da política marchelista. Se um dia alguém conseguir agarrar os números dos que foramsacrificados ao processo de torturas frelimista, o mundo verificará, abismado, que aFrelimo ocupa lugar de destaque na trágica história universal.Falarei de uma vítima. Como símbolo. Falarei dela porque há testemunhas ocularesque podem declarar perante a Justiça internacional, os tormentos que viram inflingir aum inocente até à morte. Falarei da destruição, fabricada com técnica sádica aoagente da Polícia de Segurança Pública, Adelino da Graça Diniz, no campo de recuperação de Bilibiza, em Cabo Delgado (agora Rovuma), onde outros como eleagonizam no momento em que, frente a teus olhos está esta reportagem. Antes, porém,terei que recuar escassos meses, para que melhor se entenda os
motivos da sua morte.A Polícia de Segurança Pública em Moçambique, que dependia da organizaçãocongénere metropolitana, era porém dividida em dois sectores que na actuação não sediferenciavam: Os recrutados na antiga província e os que zelavam pela segurançadas populações moçambicanas em regime de comissões, enviados, portanto pela Mãe-Pátria, para o Ultramar. A única distinção verificava-se no fardamento: Os agentes emcomissão continuavam envergando os uniformes metropolitanos acinzentados e osrecrutados, na grande maioria metropolitanos também, que entraram na Corporaçãoapós o cumprimento do serviço militar em Moçambique, usavam o uniforme de caquiamarelo, mais de acordo com as condições climatéricas locais.Após a independência, e especialmente nos meses que a antecederam — durante odomínio do Governo de Transição de maioria frelimista — quantos recrutados locaisrequereram a sua partida para Lisboa, ou para os destacamentos metropolitanos, foi-lhes concedida.Alguns, porém, iludidos pelas palavras amistosas do Governo, então dirigido por Joaquim Chissano, por serem naturais de Moçambique ou no futuro país terem vivido por longos anos, ou por à terra se sentirem ligados por laços familiares — muitos haviam contraído matrimónio com naturais—, ou ainda por a sua perma-nência lhes possibilitar uma mais fácil promoção hierárquica, conquistada pela suaexperiência policial, aceitaram o ingresso nos quadros moçambicanos.Pesou, ainda, nesta tomada de resolução, permanecer durante largos meses emMoçambique a polícia metropolitana, em regime de conselheira dos novos recrutados para o exercício policial, entre os guerrilheiros da Frelimo e os oportunistas que, àúltima hora aderiram ao Movimento.Adelino da Graça Diniz foi um dos que ficaram.E ficou para morrer.A violência da Frelimo começa, porém a manifestar-se, e alguns dos seus obreiros passaram a ser os policiais, imediatamente a seguir à partida dos últimoscontingentes dos conselheiros portugueses. A Frelimo converte-se numa organizaçãoespecializada em tortura e assassinato. Matam-se milhares de indivíduos por uma simples delacção ou suspeita de não militância ou antipatia às ideias políticas marchelistas. Nas cidades organizam-se verdadeiras caçadas, camufladas emlutas contra a prostituição, em lutas contra a corrupção, mas que verdadeiramente são uma perseguição sistemática contra a presença branca e contra a chamada burguesia.Será difícil saber-se um dia quantos milhares de pessoas morreram nessas «orgias»da Frelimo. Famílias inteiras, aldeias inteiras foram exterminadas ou sonegadasà sociedade, nelas se incluindo, como já frisei, quantos professavam as ideias reli-giosas das Testemunhas de Jeová.A polícia moçambicana, que abandonou a denominação de Polícia deSegurança Pública para se converter em Corpo de Polícia de Moçambique, estavadestinada a cumprir papel essencial nessa acção criminosa de repressão.Muitos agentes, levados por princípios morais, por repulsa natural aocrime, permaneceram leais à sua consciência. Certifícaram-se, com horror, darepressão levada a cabo pelo Corpo de Polícia de Moçambique. As execuçõesmultiplicam-se e a fuga de refugiados expressa o terror e a insegurança do povo. Arepressão policial não é outra coisa mais do que urna vingança política, visandodestruir as ideias contrárias à Frelimo por meio do extermínio físico dos seusdefensores.Em nenhum caso, porém, a atitude destes agentes moralizados pode ser chamadade rebelião no sentido jurídico do termo; foi, pelo contrário, uma tomada de posiçãoao lado do povo moçambicano, a que por nascimento ou por vivênciapertenciam, umdesejo de restabelecimento da ética e justiça que haviam sido ignoradas efrequentemente violadas.O agente da Polícia de Segurança Pública de Moçambique, Adelino da GraçaDiniz tomara essa posição e era, perante a Frelimo, um elemento que necessário setornava eliminar.Foi preso. Foi insultado e amesquinhado. Foi agredido. E depois, resto do quetinha sido, foi transportado para o Centro de
Reabilitação de Bilibiza, para ser definitivamente
reabilitado com a morte,
sofrendo no seu corpo todos os trata-mentos que tentou evitar que fossem inflingidos ao povo.Mas no campo de Bilibiza diversas testemunhas assistiram ao assassinatodo agente da polícia e identificaram os seus assassinos. Foram eles ocomandante provincial do Corpo de Polícia de Cabo Delgado, camarada Massamba,o comandante da Defesa de Cabo Delgado, camarada Pfumo, o chefe da secretariado referido Corpo de Polícia, camarada Namuca, diversos guerrilheiros e policiais,entre estes últimos se distinguindo pela sua ferocidade, o agente número 52daquela corporação assassina.E as testemunhas contam, ainda horrorizadas:
«Graça Diniz esteve amarrado durante catorze horas sendo durante esseperíodo constantemente agredido da forma mais selvagem e desumana. Foram-lhe partidos os dedos das mãos, um a um. Aplicaram-lhe a tortura «china»;Braços amarrados atrás das costas até as omoplatas encostarem uma à outra.Foi queimado com pontas de cigarros. Foi brutalmente agredido eespancado cruelmente. Após as catorze longas horas de indizível suplício, GraçaDiniz era um homem completamente destroçado.
Urinava sangue. Agonizava. Os seus algozes deixaram que ele fossemetido num jipe para — segundo afirmaram — ser levado para tratamentos nohospital.Poucos dias depois um dos polícias da Frelimo
— prosseguem astestemunhas —
informou os portugueses presos naquele campo que Graça Diniz jáfora enterrado.
Entretanto, Álvaro Cunhal visitava Moçambique. Durante os dias que antece-deram a visita os jornais e a Rádio, em largos títulos, louvavam o camarada visitantee convidavam o povo a associar-se aos festejos dedicados ao
nosso grandesalvadore ao grande amigo dos moçambicanos.
A Frelimo organizou festas. Recepções. Banquetes. Correu champagne a esmo.Álvaro Cunhal foi festejado. O povo foi obrigado pelos Grupos Dinamizadores a sair à rua e a concentrar-se à passagem do visitante, para o aplaudir, para o acarinhar. Ealgum povo veio, porque há sempre algum povo para ir a qualquer parte.Álvaro Cunhal ergueu imensas vezes o seu braço direito e de punho fechadoelevou a voz, que Portugal já bem conhece, em «Vivas à Frelimo».Estridentes. Sentidos. Convincentes.Álvaro Cunhal foi recebido em festa pela Frelimo. Pela mesma Frelimo quetorturou e assassinou o agente da Polícia de Segurança Pública Graça Diniz. Pelamesma Frelimo que ainda conserva no campo de Bilibiza, e pêlos imensos Centrosde Reabilitação de Moçambique, milhares de Portugueses à espera da morte. Quenão foram convidados a assistir à chegada de Álvaro Cunhal. Nem aos banquetesoferecidos em sua honra ...
29. PORTUGAL NÃO FOI LUDIBRIADO
Perante os factos que até agora descrevi — e que provarei aonde e quandofor necessário — é de crer que muita gente — e Portugal está cheio dela — possaainda acreditar na boa-fé dos negociadores de Lusaka e de alguns elementos dasForças Armadas de Portugal que sustinham o bastão doPoder. ,Ê de crer que para esses o povo português reserve umas quantas palavras decomiseração:
Coitados! ... Eles acreditaram nas promessas da Frelimo...
Quem assim pensar, engana-se.Os negociadores e grande parte das Forças Armadas portuguesas sabiamcom que espécie de Frelimo iam negociar. Conheciam toda a astúcia, toda adesonestidade, o espírito de traição dos dirigentes do Partido moçambicano e mesmoassim foi com eles que assinaram o sinistro Acordo.A minha profissão, e especialmente o cargo que ocupava na gigantesca provínciade Tete, levava-me a imiscuir-me nalguns meandros confidenciais, e por vezes secretosda polícia militar portuguesa, especialmente na trágica e insegura fase que medeouentre o 25 de Abril de 1974 e o 7 de Setembro, de 1975.
E o que, de certo modo, é interessante, é que eu possuía duas espécies distintasde informadores, antagónicas, até. Da primeira faziam parte contactos por mimaliciados, homens que eu considerava como colaboradores essenciais ao bomdesempenho da minha missão de jornalista destacado na mais estratégica regiãoda guerra em Moçambique.Trabalhavam nas mais diversas repartições civis e militares e traziam-me infor-mações, sempre antecipadamente aos informadores oficiais, competindo-me amim, apenas, tentar confirmação antes de as remeter, geralmente telefonicamente, para aredacção do jornal.A segunda espécie de informadores era composta pêlos homens que oficialmentetinham, entre muitas, a função de informar a Imprensa, mas que só me diziam o quelhes interessava, o que não bolia com o bom nome militar, o que, como é lógico, meera permitido publicar, visto que dentro do próprio jornal, lendo e relendo todas asnotícias recebidas, existia, nesses primeiros tempos de
democracia
portuguesa, umcensor militar nomeado pelo M.F.A.Essa informação oficial era dirigida pelo major Xavier, que chefiava a Repartiçãode Acção Psicológica Militar e estava à frente da comissão do Movimento das ForçasArmadas.Por norma, como já disse, as informações que este competente e inteligenteoficial trazia ao meu conhecimento haviam sido antecedidas por outro informador privado, e em algumas vezes eu não consegui oferecer ao meu rosto a máscara deingénua surpresa que ele esperava, e que, confesso, me seria da maior conveniência.Por outras logrei enganá-lo, e vale a pena relatar o caso «Ornar», a mais vergonhosatraição cometida pela reconhecidamente criminosa Frelimo às Forças ArmadasPortuguesas, facto que foi totalmente esquecido pêlos ilustres oficiais que assinaramo Acordo de Lusaka.Vamos à história:Estava-se numa fase de paz, se bem que o acordo de cessar fogo só fosse assinadoum mês depois. Era uma paz táctica, conveniente para ambas as forças em luta. Osmaiorais da Frelimo na região de Tete já se haviam deslocado por diversas vezes àresidência do Governador de Tete, Gomes do Amaral, e com ele haviam acamaradado.Os guerrilheiros operacionais já haviam trocado as esfarrapadas fardas queenvergavam, e que envergonhavam a Frelimo — viam-se homens de casacocamuflado roto e calções vermelhos sebentos e chapéus de mulher em vez de quépismilitares — por uniformes oferecidos particularmente pelas Forças Armadas. Outros,ainda, haviam recebido, por oferta, calças civis de boa fazenda e casacos à últimamoda, para se apresentarem, condignamente, como representantes doexército
vitorioso.
Eu próprio assisti à entrega de cara roupa civil ao comandante Raimundo Dalepee aos seus homens, e os ofertantes foram oficiais do Exército de Portugal.Enfim, existia uma tácita paz sem que o cessar fogo fosse oficializado e os militaresde todas as graduações — menos os fuzileiros, esses nunca entraram no jogo — iam

Frelimo os não comunistas contrários a Samora Machel e usou com Savimbias
balas de açúcar
tão do agrado comunista. Savimbi não caiu e a luta sob asua direcção continua em Angola, mas o essencial, entretanto, estava conseguido. Ogoverno angolano era comunista.Recordo, como achega, as recentes declarações de Jonas Savimbi, daUnita, concedidas ao «Fígaro», e esquecidas pela grande imprensa portuguesa — especialmente pela estatizada—, a respeito do empurrão que Melo Antunes nãodisfarçou, mas que Savimbi soube evitar, para cair nos braços dos novos czares daRússia. Savimbi falava de Agostinho Neto mas, mais uma vez, foi colocado em focoo nome do
negociador
Melo Antunes, um dos maiores responsáveis pêlosdramas impostos aos povos das antigas colónias portuguesas:
«Neto é um comunista. Foi por isso que eu não aceitei a proposta feitapor Melo Antunes, em Lusaka, para organizar em Viena, uma conferência secretaentre russos, Neto e eu próprio.»
Podia o dr. Keneth Kaunda, sem se comprometer politicamente perante o mundoatento aos seus gestos e atitudes, resistir à armadilha que espreitava as colónias portuguesas e que fora engendrada por Moscovo, que tinha do seu lado um grupo de portugueses
internacionalistas
comandados pelo general Costa Gomes? Não.De todos os cantos do globo, em orquestração, erguiam-se vozes ratificando oespírito descolonizador dos novos portugueses. Quaisquer divergências ou críticasnão seriam toleradas se essa era a vontade portuguesa. A opinião política mundial eraunânime
e
Keneth Kaunda não pôde sugerir emendas à intenção portuguesa. Apenasapoiá-las, ou não. O mundo apregoava que o futuro de Moçambique se delineava promissor e auspicioso e com a derrota das ideias de Keneth Kaunda o Ocidente perdia a sua principal figura de proa e o comunismo russo reavivava a sua infiltraçãono continente.Keneth Kaunda cedeu. Mas cedendo continuou a ser o mais lúcido cérebro dalinha da frente negra da África Austral, daquela linha da frente quereafirma, constantemente, o seu compromisso em apoiar a luta armada pela libertaçãodo Zimbabwé (Rodésia), como a única maneira de propagar a fé marxista pelo con-tinente Sul a seguir, ao mais moderno império mundial — o comunismo soviético.Para Moscovo o desenrolar dos acontecimentos no sub-continente africano foi otriunfo e a plenitude. Valendo-se da atmosfera de optimismo e de nacionalismo, aRússia desempatou o seu potencial de forças com o Ocidente, criando novas basesestratégicas na rota do Cabo. Mas no silêncio do seu gabinete, quando se desfazemnos ouvidos do dr. Keneth Kaunda as vozes, que não escondem ódios mas fielmenteos traduzem, de Július Nyerere, de Samora Machel e de Agostinho Neto, o presidenteda Zâmbia deve recordar, com pena, o insucesso de todas as suas iniciativas edèmarches para fazer nascer, nas terras africanas que caminham para palcosdantescos, um novo e portentoso Brasil de cultura lusa, cristão, chamadoMoçambique.E entenderá que as soluções que não foram aceites, teriam trazido a paz e o progresso aos quinze milhões de negros das duas maiores colónias portuguesas e a
segurança aos portugueses que ali residiam, e serviria de travão ao avanço comunistana África Austral, que alastrará o sangue, o terror, a incerteza, a miséria, o caos, aosseis milhões de negros rodesianos e às duas centenas e meia de milhares de brancosque povoam aquela antiga e tão conturbada ex-colónia inglesa.Resta apenas a imagem central do «complot» comunista ainda de pé. A destruiçãoda influência ocidental será tentada. Para já os movimentos de libertação que,medrosos e trôpegos, fazem teatrais aparições nos tablados sul-africanos sãomarxistas e a campanha internacional já foi urdida. Os quatro milhões de brancos sul-africanos e os vinte e quatro milhões de negros do mais forte e rico país africanoserão a tentativa mais arrojada da União Soviética, que apenas poderá ser sustida por uma violenta e definitiva acção do Ocidente.O dr. Keneth Kaunda sabe que a União Soviética olha a única fatia que lhe faltamastigar da África Austral, estendendo o seu domínio até ao Cabo. Sabe que os países pró-ocidentais do sub-continente são os mais pequenos e mais fracos agora. Adefesa da política ocidental era afirmada pela presença da cultura portuguesa emAngola e Moçambique e hoje o último baluarte é a África do Sul. Se este cair sob odomínio de um governo marxista-negro a África está conquistada pelo impériosoviético e o Ocidente mais perto do seu fim.O dr. Keneth Kaunda sabe isso e tentou evitar a tempo o drama que se avizinha edo qual é difícil prever as consequências. Mas a História, que condenará osvendedores do império português que incendiaram a África Austral, registará a suaoposição, disfarçada mas activa, ao crime que, conscientemente, Portugal cometeu por intermédio de um grupo de nacionais auto-nomeados dirigentes.
34. PLANO DE LUSAKA:CAMINHO PARA A PAZ
No dia 13 de Setembro de 1973, o dr. Keneth Kaunda, auxiliado por MarxChona, passava para o papel o seu
Plano de Lusaka
para ser apreciado peloGoverno de Portugal. Seria seu portador o cônsul do Malawi, eng.° Jorge PereiraJardim, então nas boas graças do governo de Marcello Caetano.Alguns dirigentes da Frelimo haviam tido prévio conhecimento do Plano e se nãoo aplaudiam, aceitavam-no pelo menos.A Frelimo era assolada pela crise que já descrevi e a solução encontrada peloPresidente da Zâmbia punha termo aos fantasmas da derrota que acompanhavammuitos dos seus chefes.O Presidente maoista da Tanzânia, também tinha conhecimento do Plano
e
sobreele havia discutido com Kaunda em diversas reuniões. Para Nyerere, anão concretização do avanço russo no sub-continente era meio caminho paraagradar aos proprietários da sua simpatia — a República Popular da China — eMoçambique seguiria depois, na paz, a inclinação política que lhe aprouvesse, ouque mais se enquadrasse na forma de sentir do povo moçambicano. Aliás, uma nação de influência lusitana implantada no meio do continente elevaria as possibilidades deequilíbrio político, favorecendo todos os territórios vizinhos.Dividía-se o Plano em dois documentos distintos. No primeiro, o PresidenteKeneth Kaunda descrevia o ponto de vista da Zâmbia na evolução dos territóriosafricanos portugueses, com vista à procura do caminho da paz, com honra, semressentimentos que viessem mais tarde a motivar o renascimento de atritos entre osdois povos — o português e o autóctone.Desconheciam os autores da
descolonização exemplar
o Plano de Lusaka do dr.Kaunda? ...Creio estar fora de hipóteses o seu desconhecimento pois ele
chegara
a algunsdirigentes portugueses. O que aconteceu foi que os planos de descolonização, disse-cados pelo grupo nomeado pelo general Costa Gomes, eram outros e bem diversos,como se depreende do teor do
Acordo de Lusaka,
assinado um ano depois em 7 deSetembro de 1974, onde não são ressalvadas quaisquer cláusulas que exprimam aintenção de salvaguardar os interesses dos portugueses residentes na colónia, ondenão é protegida a cultura portuguesa, nem a memória dos seus mais altos valores.Foi sob a «protecção» do almirante Vítor Crespo — um dos membros da Comissãode Descolonização do general Costa Gomes — que todos osmonumentos portugueses foram apeados com raiva, e alguns destruídos ou danificados. Nãoescaparam à sanha destruidora os monumentos de Camões, de Vasco da Gama, deGago Coutinho, de Sacadura Cabral, etc. Era necessário atirar ao lixo toda arecordação de Portugal e colocar, no seu lugar, as figuras de Lenine, de Karl Marx,de Mao Tse Tung.
O inculto comissário político da cidade de Moçambique, justificaria aopovo o motivo da destruição do monumento de Vasco da Gama com as seguintespalavras:
— O colonizador Salazar, para escravizar os africanos, mandou Vasco da Gama aMoçambique descobrir o caminho marítimo para a índia.
E só assim, filosofando desta maneira, a acção destruidora dos alicercesde uma civilização — que mesmo assim não fenece — consentida pelo almiranteVítor Crespo pode ser entendida. Por mais
socialista
que fosse a atitude do altocomissário de Portugal em Moçambique, a farda que envergava e o cargo queexercia davam-lhe a obrigação de zelar e de fazer respeitar os símbolos dePortugal, como os valores espirituais e humanos que eles representavam.Os destinos do povo moçambicano e dos portugueses foi jogado em Lusakano dia 7 de Setembro de 1974, por portugueses, o que torna necessário divulgaro que um ano antes havia sido esquematizado por estrangeiros: O PresidenteKeneth Kaunda e seus auxiliares. Por isso transcrevo, na íntegra, o Plano doPresidente Kaunda. E que o leitor seja o juiz:«ConfidencialRepública daZâmbia
Pontode vista da Zâmbia na EvoluçãodosTerritórios Africanos Portugueses:
1. AZâmbia prossegue uma política de paz genuína. O Governo daZâmbiacontinuaráaesforçar-se para consolidar a paz na Zâmbia e nomundo.O Governo da Zâmbiainteressa-seemter ao redor da Zâmbiavizinhosestáveise prósperos. Moçambique éum deles. A paz queaZâmbia pretende emseu redor e nomundo em geral não é apenas a ausênciadeconflitos mas sobretudoaexistênciade harmonia, respeito eentendimento,tudo firmemente assegurado pelacadeira da justiça.2. A Zâmbia prossegueuma políticanão racista. O Governo Português temdemonstradoque,ao contrário da África do Sul edaRodésia rebelde, participanos princípios fundamentais do não-racialismo. As lições da His-tóriademonstramque o mundo se encaminha para uma maior integraçãohumana equearaçahumananunca mais voltará a ser amesma. OGovernodaZâmbia aceitaosmilharesde brancos na Zâmbia e no resto daÁfrica Australcomoumarealidadegeográfica, histórica, socialeculturalque terátremenda influênciano desenvolvimentohumanodesta partedomundo.Osdirigentesafricanos não podem abdicar das suasresponsabilidades para comas raças não-negras, talcomonão espera que osBritânicos,os AmericanoseosLatino Americanos, por exemplo,abdicassemdassuas responsabilidades para com as raças negras e castanhasnaquelescontinentes.3. A
Zâmbia
está interessada em desenvolver boas relações com Portugal. Nadase opõe a que os dois países desenvolvam boas relações e cooperação emmuitos campos, excepto:a) A política portuguesa nos seus territórios africanos. b) A cooperação portuguesa política e militar com a África do Sul racista e coma Rodésia rebelde.Os contactos entre os dois países seriam facilitados e encorajados se Portugalefectivamente modificasse a sua política em face da África do Sul e daRodésia, cujos actos de agressão contra os países independentes da África sãoobstáculo na procura de uma solução pacífica dos actuais conflitos nosterritórios africanos portugueses.4. A Zâmbia crê que a independência dos territórios portugueses em África é aúnica e definitiva solução para a presente situação crítica nesses territórios. Aguerra é, lamentavelmente, uma desnecessária perda de sangue e dos recursosfinanceiros ou outros. Acções que aumentem o intenso ressentimento jáexistente entre as massas da população africana, cujo espírito e coraçãodeveriam ser conquistados, devem ser firmemente evitadas.
O Governo português deveria, pelo contrário, intensificar os seus esforços para seriamente estabelecer uma estrutura realística para a cooperaçãoharmoniosa entre o povo de todas as raças nos territórios portugueses. Será o povo de Moçambique que em última análise tratará dos interesses portuguesese traçará o destino dos nacionais portugueses em Moçambique, tal como osdirigentes africanos em Angola e noutros pontos dos territórios portuguesestratarão dos interesses portugueses e moldarão o destino de toda a populaçãoincluindo os nacionais portugueses. Os Movimentos Nacionalistas como a«Frelimo» deveriam ser reconhecidos como um importante factor político cujaassistência na formulação da futura estrutura política não pode ser ignorada.5. O Governo Português deveria evitar:a) Envolver a África do Sul política, e económica e militarmente nos territórios portugueses africanos. b) Envolver Portugal na derrocada rodesiana.c) Ser envolvido pelas grandes potências na defesa dos seus interesses naRodésia, África do Sul, Namíbia e outros territórios da África Austral bemcomo nos seus próprios territórios africanos, uma vez que isso complicaria a procura de uma solução pacífica.d) Considerar a Zâmbia e a Tanzânia como Estados comunistas ou testas de ponte de comunismo. Na análise final, a Tanzânia e a Zâmbia são os melhoresamigos do povo português e defenderão as comunidades portuguesas tal comotêm defendido outras minorias no passado.e) Alistar milharesdeafricanosnoexército para combateremosnacionalistasafricanos porque isso conduzirá àmilitarização de Moçambiquee outrosterritórios portugueses, para prejuízoúltimodos própriosinteressesdePortugal.Quantomais for o númerode moçambicanos envolvidos nasacçõesde guerra maior seráo númerode pessoassubmetidas à disciplina militar no futuro. Existemabundantesexemplosna História que comprovam comoessa orientação pode ser desastrosa.O Governo Português tem interesseemcriar condições apropriadas para umaadministração civil estável emMoçambique,em Angola e outros territórios soba jurisdição portuguesa.6. É com apoio nestes princípiosqueoGovernodaZâmbia temoferecidorepetidamente, desde a Independência,os seus bonsofícios privadamentee em público para assistir Portugal e pôr termoà guerraearesolver os problemas através de negociações com osdirigentes nacionalistas.OGoverno da Zâmbia está convencido de queos interesses portuguesesserãomelhor servidos se se trabalhar paraaindependênciadosseusterritóriosafricanos. Os dirigentesnacionalistas têm demonstradoasua boa vontade paraconversar acerca da criaçãode condições para a negociaçãode futurosdesenvolvimentosconstitucionaisemMoçambique.
7. O Governo da Zâmbia acredita na comunicação. Acredita que esse éomelhor caminho para resolver o problema.Reafirmaasua disposição deoferecer osseus bonsofícios para ajudar a terminar a guerra ecolocar Moçambique e Angola firmemente nocaminho da genuína paz,independênciae prosperidade.Lusaka, 12 de Setembro de 1973.»
35. PLANO DE LUSAKA:
O BEM-ESTAR DOS PORTUGUESES
A segunda parte do Plano de Lusaka do dr. Keneth Kaunda refere, denomina-damente, a estrutura necessária para a Independência de Moçambique, e os interessesde Portugal que deveriam ser respeitados com garantias. Com a mesma segurança etranquilidade Keneth Kaunda afirma a sua posição medianeira.A troca de garantias é compensadora para Portugal e vai ao encontro das pretensões do povo português e do espírito que iria enformar, um ano depois,o Movimento das Forças Armadas, em 25 de Abril de 1974. Mas não agradariaaosnegociadores portugueses comunistas. Teria outras cores a capitulação portuguesa.O Plano de Lusaka proclama honra para Portugal. O texto e as intenções sãoclaras e nem eram necessárias reformas. Compreendendo-se os motivos que levaramPortugal a não o aceitar antes da Revolução de Abril, não se entende a recusa após oMovimento das Forcas Armadas ter abalado e destruído os alicerces sobre os quaisrepousava a teoria do governo português deposto. Mas as inovações introduzidas emPortugal são ilimitadas e a Comissão de Descolonização olha o problema de mododiferente. E quem não concordar com ela comete o horrível e duramente punido crime contra a descolonização.
A opinião pública internacional mostra-se confusa. O Plano do dr.Kaunda transpirara e muitos países não entendem o comportamento de Portugal, masassistem em silêncio. Só a Rádio Moscovo, nos seus noticiários para as colónias portuguesas e Brasil, vai dando a perceber as íntimas relações entre o proceder daComissão de Descolonização e a forma de olhar o problema de Moscovo.
E é a Comissão de Descolonização, com o seu procedimento repressivo, que castraqualquertentativa, entre Abril e Setembro, para fazer ressuscitar o Plano de Lusaka.É interessante verificar que até agora, em 1977, toda a Imprensa portuguesa o temolvidado, como que a não querer remexer numa ferida acesa em muitas consciências portuguesas. E que melhor altura para o divulgar do que esta, quando Portugal contacom um Governo onde o Partido Comunista foi pouco votado pelo povo português? Não será ainda ocasião para dizer a verdade aos portugueses, aquela verdade queKeneth Kaunda não escondeu em 1973 dos dirigentes de Portugal?Publico, a seguir, o segundo documento do Plano de Lusaka e mais uma vez peço ao leitor para ser juiz:
«ConfidencialRepública da ZâmbiaMemorandumPonto de vista daZâmbia na Evolução dos Territórios Africanos PortuguesesEstrutura para a IndependênciaO Governo Português estáobviamentepreocupadoacerca dapreservaçãodos seus interesses nacionaisnosterritórios africanos dePortugal.Deve inter aliapreocupar-secom otipo de ligações que permitiriamaPortugal manterasua influência nos novosterritóriosindependentes.OGovernodaZâmbiatemaconsciênciadestapreocupaçãoeestá portantoprocurando colaborar na preparaçãodeumaestrutura queproteja egarantaos interessesportugueses. O Governo daZâmbiaestá preparado,desde quetenhao acordodolado português, paraobterasgarantias dosdirigentesnacionalistas acerca dofuturodos interesses dePortugal. Comesteobjectivo deve ser consideradoo seguinte:
1.RELAÇÕESPOLÍTICASa) Os territórios independentes prosseguirão uma tendência não-racialnaconstrução das novas naçõeseosnacionaisportugueses quealitêmvivido há séculos encontrarão uma melhorsituaçãodo queaquelaquetêm agora.b) Asegurançados nacionais portugueses apenaspode ser apropriada-mentegarantida atravésdeum programa deintegração nacionalsobcondições de harmonia racial e cooperação, sem conflito ou guerra. Aactual guerra é um obstáculoparase alcançarem estes objectivos.c) As relações diplomáticasentreosnovos territórios independentesePortugal assegurarão contactos maisefectivos e produtivos,bem comomútuo apoio na base de igualdade erespeito recíprocos.d) Estabelecimento de uma Comunidade Lusíadacompreendendo os anti-gosterritórios portuguesesincluindo o Brasil. Uma associação destas,naqual Portugal teria uma posição dominante,desenvolver-se-iacomomelhor organização do que a «Commonwealth»queaGrã-Bretanhainstaurou. A política britânica-rodesiana-sul-africanaconjuntamentecoma visão racista de algunsnacionaisbritânicosnasantigas colóniasbritânicas ensombraram aimagemda Grã-Bretanhaereduzirama sua influência, sobretudo em África.e) A Administração nos novosterritóriosindependentesserágrandementeinfluenciada por Portugal nofuturoprevisível. Duranteeste período os nacionais portugueses serão capazes decriar um maior graudeconfiança na governação das novasnaçõesindependentes agora sobcontrolo português.2. RELAÇÕES CULTURAISO Governo da Zâmbia está cientedo orgulho português na suaculturaLusíada. É convicção do Governo daZâmbiade que aindependênciadosterritórios africanos portuguesesnãosignificará o fimdainfluênciacultural portuguesa, masaocontráriooiníciodaexpansãodocampoda cultura lusa em dignidade erespeito.a) O português permanecerácomo aLínguaFranca nos novosterritóriosindependentes.b) A educação será predominantemente portuguesacom professores por-tugueses.c) Cooperação técnica com experiência e pessoal portugueses. d) A influência portuguesa na vida social e cultural permanecerá durante longo tempo. e) As condições religiosas serão influenciadas pelo passado português.

3.RELAÇÕES ECONÓMICAS
A conservação dos interesses económicosportugueseséfundamentalemqualquer acordo para conceder aindependência aos territórios africanos portugueses. O Governo da Zâmbiaestá ciente de que qualquer estrutura para a independência deveria garantirao Governo Português que osseusinteresses económicos serão protegidos.a) Comérciob) Investimentosc) Assistência técnicad) Acordo económico e de cooperação técnica.4. RELAÇÕES MILITARESO Governo da Zâmbia reconhece que a Defesa é um campo muito melin-droso. O GovernoPortuguês quererá,sem dúvida, estar seguro dequeaindependência política não conduzirá, por exemplo,a que uma potência comunista preencha o vácuo. A preservação dos territóriosportugueses será assunto de interesse para o Ocidente emgeral.SegundooGovernoda Zâmbia estesaspectossão negociáveis com os dirigentesnacionalistas e nãoserãoum obstáculo para um acordo finalsobreaindependência.
5.OPORTUNIDADE PARA A INDEPENDÊNCIADevesernegociada logo que a estruturapara aindependência esteja traçada.
6. FACTORESEXTERNOS QUE DEVEM SER ARREDADOS DA SITUAÇÃO PORTUGUESA
1. Envolvimento da África do Sul.2. Envolvimento da Rodésia.3.Envolvimento das grandes potências.Estes podem complicar asnegociações ou asmedidas tomadas para pôr fim àguerra.Interesses Nacionais Portugueses1. INTERESSES POLÍTICOS E DE SEGURANÇAFundamentalmente referimo-nos ao bem-estar dos nacionais portuguesesna era post-independência. O novo sistema político paraosnovospaíses independentes deverá assegurar protecção para todos osmoçambicanos e promover o seu bem-estar sem consideração de raça, cor,credo ou origem étnica. De particular importância para o GovernoPortuguês é o futuro de uma grande população de origem portuguesa.2. INFLUÊNCIA POLÍTICAPortugal deseja, sem dúvida, ter uma influência dominante nos novos paísesindependentes e não desejaria ver o crescimento de qualqueroutra influência prejudicial para os interesses portugueses nosseusantigosterritórios.3. INTERESSES ECONÓMICOS E FINANCEIROSPortugal desejaria, sem dúvida, ver que ocomércio, os investimentoseoutros interesses económicos sejam completamente desenvolvidosnosseusantigos territórios em seu favor enãoem favor de qualquer outrapotência.4. INTERESSES CULTURAIS Conservaçãoda cultura lusa.5. DEFESAOs novos países independentes deveriam, no ponto de vista do GovernoPortuguês, manter uma atitude quanto àdefesaque pelo menos não fosseanti-portuguesa. A estrutura para a conservação eprogressodetodosestesinteresses nacionais é, no conhecimento da Zâmbia, negociável.Os chefes nacionalistas estão determinados por um sentimentode responsabilidademoral para com Portugal e osseusinteresses, e estariam pre-parados para encontrar uma solução amigável em todos estes aspectos.Lusaka, 12 de Setembro de 1975.»
36. DR. ALMEIDA SANTOS:ESTADO FEDERAL «UNIÃO PORTUGUESA»
Não posso afirmar o que pensa hoje o dr. Almeida Santos, ex-ministro daCoordenação Interterritorial, dos dramas que enlutam o povo de Moçambique, daguerra que alastra por todo o novo país, da miséria que adoenta o povo moçam- bicano, da fuga da morte de quantos, portugueses, teimaram em permanecer em Moçambique após ele ter assinado o Acordo de Lusaka. Era arriscado, para ruim,afirmar qualquer coisa, pois sei que os homens mudam, por vezes comtanta facilidade como o vento. Não posso afirmar quais eram as ideias do dr. Almeida Santos no dia 7 deSetembro de 1974, antes de se transferir para a pasta ministerial da Informação,daquela Informação que tanto iludiu o povo português sobre as causas e as conse-quências da descolonização de que foi um dos importantes fazedores. Era arriscado para mim, pois as mesmas ideias podem hoje não serem acatadas pelo ministro daJustiça de Portugal, dr. Almeida Santos.Posso afirmar, e não arrisco nada, o que pensava o advogado dr. Almeida Santos,meia dúzia de anos antes da Independência de Moçambique, porque o dr. AlmeidaSantos se auto-biografou, ou se auto-criticou, no seu livro «Já Agora...»,arranjandouma solução para Moçambique bastante diferente daquela com que concordou emLusaka, e onde apôs, sorridente e feliz, a sua assinatura.E como posso afirmar, com a permissão que me é dada pêlos escudosque consumi com a compra do «Já agora...», acho oportuno transcrever asolução moçambicana do dr. Almeida Santos e de um grupo de democratas deMoçambique, que, embora custe a muito boa gente, se assemelha ao do dr. KenethKaunda e í: que era desejada pelo general António de Spínola.Vejamos, pois, sem comentários, o que pensava ou pensa o dr. Almeida Santos dadescolonização de Moçambique:
«... Numa campanha eleitoral para candidatos à Assembleia Nacional, aOposição Democrática de Moçambique apresentou uma lista, de que fiz parte, eelaborou um manifesto aos eleitores — como já disse apreendido na tipografia — onde, pela primeira vez em Portugal se defendia uma solução determinada. Aautodeterminação surgia aí, porém, defendida à escala nacional, em perfeitaequivalência a uma consulta plesbiscitária...»
(sic).E definindo melhor as suas ideias democráticas que desejava oferecer também ao povo moçambicano de todas as raças, o então advogado de LourençoMarques escreveu:
«... Nele se dizia ainda este mínimo que convém transcrever para que o nossointuito não seja deturpado:Seria despropositado esperar que, estados tão distantes na geografia, etão diferenciados nas populações como seriam a Metrópole, Angola eMoçambique, viessem a sofrer igual evolução centralizadora. Mas nada nosimpede de acreditarmos na perduração sem conjecturável limite de laços devinculação política, estratégica, diplomática, cultural ou tão só linguística, seformos capazes de passar a semear a língua portuguesa, como língua veicularaceite pelas populações autóctones, como mesmo empenho com que temossemeado algodão e sisal.Teremos, nesse domínio, aquilo que tivermos sido capazes de merecer.Ou melhor: colheremos aquilo que tivermos semeado. Se ódio ódio, se amoramor.Visionam, pois, os signatários um estado federal, a que poderia chamar-se «União Portuguesa», embora o nome não seja o que mais importa, e estadosfederados — Portugal, Angola e Moçambique — aos quais aquela se sobreporiana medida das prerrogativas de soberania que sobre eles detivesse.Um chefe do Estado Federal directamente eleito pela comunidade emcondições a fixar, e Chefes dos Estados Federados, directamente eleitos porestes, exerceriam as inerentes funções ao nível federal e estadual,respectivamente.Haveria um parlamento federal, constituído por deputados directamenteeleitos, em proporção a fixar, pêlos estados federados, e ao qual caberia aelaboração das leis relativas aos assuntos comuns a todo o território daFederação. Parlamentos estaduais, directamente eleitos por cada EstadoFederal, chamariam a si a feitura das leis exclusivamente aplicáveis aorespectivo território.Um Governo do Estado Federal, e os governos dos Estados Federados, esco-lhidos pelos Primeiros Ministros designados pelos respectivos Chefes deEstado, exerceriam a função executiva, e, com menos amplitude do que o actualgoverno,funções legislativas simples.Um tribunal de conflitos seria encarregado de resolver os diferendosdos Estados Federados entre si, ou entre qualquer deles e o Estado Federal.Cada Estado teria a sua organização jurídica própria.Regressar-se-ia ao sistema da eleição directa dos Chefes de Estado, e acen-tuar-se-ia a separação dos poderes legislativo, executivo e judicial.Sem se cair em extremos de parlamentarismo, que por toda a parte, e mesmoentre nós, deram má conta de si, os parlamentos exerceriam um tal ou qualcontrolo sobre os excessos ou os desacertos do executivo, através do sistema dasmoções de censura, ou qualquer outro modo. Mas para evitar a descontinuidadegovernativa poderia condicionar-se o recurso às moções, inclusive através dadissolução do parlamento censor, seguida de novas eleições, após certo númerode moções em cada legislatura.
Do maior interesse seria a definição das prerrogativas de soberaniareservadas ao Estado Federal. Visionam-se como menos provavelmentealienáveis a defesa, a acção diplomática e a coordenação da economia a partir deeconomias desintegradas mas cooperantes.Neste domínio, porém, como no mais concernente à montagem doesquema, poderia avançar-se segundo escalões pré-definidos.Num ponto haveria de ser-se intransigente, já que mais do que nenhumoutro daria o tom do nosso desejo de evoluir em termos de política ultramarina:na inscrição, em cada uma das constituições regionais, de um esquema evolutivopara governos representativos da maioria das respectivas populações, de parcom garantias da sua inalterabilidade e do seu perfeito acatamento. Bem secompreende que qualquer desvio deste princípio só poderia favorecer umnacionalismo neocolonialista que não resolveria coisa alguma e seria fonte segurade novos e inarredáveis apocalipses.»
Curioso é ter sido o dr. Almeida Santos um dos homens que assinaram o Acordode Lusaka, como continua a ser curioso conservar-se no Governo de Portugal contratodos os ventos e eventos da política portuguesa. Não foi democrata — ou eu não entendo o espírito da democracia — ao nomear para último "Governador de Moçambique, já após o 25 de Abril, um seu compadre ecolega de profissão, não apoiando os interesses das maiorias. NesseGovernoaconteceram os trágicos Setembros e Novembros moçambicanos. Aconteceua morte, a destruição, a fuga dos portugueses, o abandono de grande parte de bens, adestruição sistemática da colónia portuguesa. O dr. Almeida Santos nada perdeu. Osseus contentores gigantes foram postos em Lisboa — um deles foi fotografado e publicado na Imprensa, pois no seu bojo quase se podia transportar toda a riquezamoçambicana — os seus capitais transferidos. Nada perdeu na sua democracia. Não foi comunista e não o é nas suas afirmações, na sua forma de viver, nas suasrelações humanas, mas, não sendo, sobreviveu à queda dos seus pares no Governo,servindo, um Governo comunista, de terror, de sangue, de maldição, de anarquia, domesmo modo que serve um Governo socialista na busca de um verdadeiro Portugalremoçado.Qual é a cor política do dr. Almeida Santos, que auto-criticando-se no início dadécada de 70, deseja para Moçambique e para Angola uma autonomia democráticaem regime federado e que foi até à minúcia de a baptizar em «União Portuguesa» e,meia dúzia de anos volvidos, assina um documento onde, sem remissão, se faz aentrega de Moçambique a um partido guerrilheiro, representante declarado da ditaduracomunista e do império soviético, empurrando, com o seu gesto, Moçambique paraum futuro de fome, de guerra civil, de destruição, e muitos milhares de portugueses para a miséria da situação de semi-apátridas?Qual é o seu critério actual? Não negará esta sua atitude todos os seus pronunciamentos anteriores?É certo que o dr. Almeida Santos, nos seus raros momentos de penitência, afirmafilosoficamente que outros Acordos, além do de Lusaka, foram entabulados com a Frente de Libertação de Moçambique. Mas que Acordos? Os anos transcorrem e nãomerecem o povo português e os muitos milhares de retornados e de refugiados umesclarecimento sobre o teor desses acordos, sobre as suas consequências, e, sobretudosobre a sua actividade nesses acordos, quando a sua responsabilidade é reconhecida por todos os retornados e refugiados devido aos altos cargos que desempenhou edesempenha?Responsabilidade como outorgante no Acordo de Lusaka.Responsabilidade como ministro Inter-Territorial.Responsabilidade como nomeador do último Governador-Geral.Responsabilidade como ministro da Informação, na fase em que menos infor-mada andou a população portuguesa, inclusive sobre o teor dos acordos com osguerrilheiros que, logicamente, não pode apenas interessar a meia dúzia de portu-gueses mas a todos os portugueses.Responsabilidade — e por que não? — como ministro da Justiça, pois é essa mesmaJustiça que o povo português, que o povo moçambicano, que os retornados, que os refugiados, desejavam ver praticada sobre quantos negociaram o Ultramar, semconsultarem democraticamente os povos interessados, tapando orgulhosamente osouvidos a todas as vozes discordantes que aconselhavam moderação e bom senso. Éesta habilidade de jogar com ambos os lados, de se preservar das consequências degestos históricos, que o futuro não deixará adormecer e que o presente saberácondenar.

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