sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Memórias de uma História Incompleta

II Congresso da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) – Memórias, por Raimundo Pachinuapa


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Título: II Congresso da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) – Memórias
Autor: Raimundo Domingos Pachinuapa
Edição: do autor, 148 páginas, ilustrado, 395.00 meticais. Maputo, 2009.

A publicação das memórias dos que participaram na luta pela independência nacional é invariavelmente aguardada com grande expectativa, despertando a curiosidade do grande público, desejoso de saber o que na realidade se passou num passado não muito distante da história de Moçambique.

 
Em parte, isso explica-se pelo facto de a organização política que representam só com o advento da segunda República é que ensaiou os primeiros passos para uma abertura democrática no interior das suas próprias fileiras. Até então, pautava-se por um comportamento que mais se assemelhava ao de uma instituição de carácter secreto, fechada sobre si mesma e muito dada a interpretar acontecimentos e situações consoante os interesses de ocasião, e sempre a coberto da “disciplina interna” e da “autocrítica”.


Na esteira do que outros antigos membros da FRELIMO têm vindo a fazer, Raimundo Domingos Pachinuapa lançou recentemente as suas memórias a que deu o título de «II Congresso da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) – Memórias». O autor é natural de Cabo Delgado, tendo recebido treinos militares na Argélia e durante a luta armada desempenhou as funções de chefe do Departamento de Defesa a nível dessa província.
 
Embora fornecendo pormenores inéditos sobre diversas facetas da luta pela independência nacional, o livro de Raimundo Pachinuapa constitui um retrocesso comparativamente ao espírito de abertura que norteou os autores de outras memórias. O autor adere, com o estilo dogmático peculiar da velha guarda da FRELIMO, à chamada “linha revolucionária”, fazendo uma interpretação contraditória e por vezes confusa das correntes políticas que surgiram no seio da Frente (pp 45, 73).
 
Por exemplo, Pachinuapa afirma que os chamados reaccionários “diziam que a guerrilha era uma guerra longa”, quando na realidade a tese da “guerra prolongada” foi sempre defendida pela “linha revolucionária”. Passando por cima das tendências “militar” e “política”, que foram tratadas na reunião do Comité Central da FRELIMO realizada em Outubro de 1966 e cuja erradicação havia ditado o assassinato de Filipe Magaia nesse mesmo mês e ano, o autor de «II Congresso da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) – Memórias» defende que a “linha revolucionária” era, afinal, constituída por “pessoas que viviam o teatro da luta e da população de todas as zonas libertadas” e não em Dar es Salaam.

O que não deixa de ter o seu quê de surrealista é a evolução que a chamada “linha revolucionária” tem vindo a sofrer desde os anos recuados do II Congresso. Se no passado se distanciava da “linha reaccionária” por esta ser “racista” e “exploradora”, mais recentemente a “linha revolucionária” revelou possuir traços que na prática a colocam no campo oposto, como ficou patente no manifesto – quiçá subscrito pelo autor – que os “Veteranos da Luta Armada” circularam em Maputo logo a seguir à morte de Samora Machel, e nos acalorados debates parlamentares sobre “originários” e “não-originários” no âmbito da proposta de Lei da Nacionalidade; e nos negócios de alto nível, nem sempre transparentes e por vezes manchados por ligações ao submundo de um capitalismo que um dia haviam apostado “escangalhar”.

Antigo inspector de Estado e hoje empresário ligado a capitais estrangeiros, Raimundo Pachinuapa apresenta a morte de Filipe Samuel Magaia como obra de um “agente da PIDE” (Lourenço Matola), “infiltrado logo na criação da FRELIMO” (p. 27). Na realidade, Lourenço Matola agira como ponta-de-lança de Samora Machel e cujo crime tinha como objectivo consolidar o poder da facção representada por Eduardo Mondlane e permitir a ascensão do comandante do recém-criado Centro de Preparação Político-Militar de Nachingwea e de Joaquim Chissano à chefia dos novos Departamentos de Defesa e Segurança, respectivamente, instituídos na sequência da eliminação física de Filipe Magaia.

Um outro alegado “agente da PIDE”, e que viria a ser sumariamente executado pela FRELIMO, é identificado no livro de Pachinuapa como Bettencourteni Câmara (p. 51). Trata-se, efectivamente, de Pedro Câmara, antigo membro dos Grupos Especiais (GE) que havia desertado das fileiras desta unidade das Forças Armadas Portuguesas para se juntar à FRELIMO. Natural da Zambézia, Pedro Câmara viria a ser “detectado” pela FRELIMO graças a Jorge Jardim.
 
Em «Moçambique Terra Queimada», Jardim revela que ao encontrar-se com Marcelino dos Santos em Paris, perguntou ao antigo vice-presidente da Frente de Libertação de Moçambique se sabia do paradeiro de Pedro Câmara pois em Quelimane os pais estavam apoquentados pela falta de notícias do filho. Do encontro de Paris, deu Marcelino dos Santos pormenores à direcção do movimento em Dar es Salam, a qual passou a tomar Pedro Câmara como “agente” e “infiltrado”. Os interrogatórios, sob tortura, de Pedro Câmara, culminariam no fuzilamento do jovem zambeziano que, por convicção, optara por se aliar aos que lutavam pela independência da sua Pátria.

Por diversas vezes (pp. 62, 68, 72, 81), ressalta, da parte do autor de «II Congresso da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) – Memórias», um esforço desmedido em denegrir a imagem de Raul Casal Ribeiro, um dos incondicionais de Magaia. Casal Ribeiro foi quem revelou, perante Eduardo Mondlane, Samora Machel e outros altos quadros da direcção da FRELIMO, durante as exéquias de Magaia em Songea, os pormenores sobre o assassinato do chefe do Departamento de Defesa e Segurança, que ele próprio havia presenciado na província do Niassa, e que divergiam da versão apresentada por Cândido Mondlane ao representante da FRELIMO nessa localidade tanzaniana, Manuel Lisboa Tristão.
 
No informe prestado em Songea, Cândido Mondlane, acabado de regressar do Niassa para onde seguira integrado na coluna de Magaia, declarara que o chefe do Departamento de Defesa e Segurança havia morrido numa “emboscada do exército português”. A dimensão da cabala em torno do assassinato de Filipe Samuel Magaia seria revelada por Samora Machel em Songea, antes do funeral do seu malogrado chefe. Virando-se para o representante da FRELIMO, Machel pergunta-lhe em tom mordaz: “Ó velho Tristão, o que vai ser de ti, agora que o teu amigo morreu?”

Casal Ribeiro, tal como muitos outros quadros militares leais a Filipe Magaia, viria a ser alvo das purgas que tiveram lugar no seio da Frente depois de Samora Machel ter assumido a chefia do Departamento de Defesa.

Raul Casal Ribeiro desligar-se-ia da FRELIMO, passando a viver no norte da Tanzânia com a esposa e as filhas. Outros seriam levados sob prisão para Cabo Delgado e aí executados sumariamente. Pachinuapa insurge-se contra Uria Simango por ter denunciado essas e outras execuções em «Situação Triste na Frelimo».
 
O autor de «II Congresso da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) – Memórias» considera que Simango errou por ter “ignorado as normas de trabalho no seio da FRELIMO” de “crítica e auto-crítica” (p. 117). Embora tivesse escapado às matanças de Cabo Delgado, Raul Casal Ribeiro contar-se-ia entre as vítimas do processo extrajudicial de Nachingwea (1974-1975), tendo sido sumariamente executado no reduto de M’telela anos mais tarde.

Do antigo chefe do Departamento de Defesa da FRELIMO em Cabo Delgado seria de esperar um relato circunstanciado sobre a “Operação Nó Górdio”, concebida e posta em prática nessa província pelo comandante-em-chefe das tropas coloniais, Kaúlza d’Arriaga, em Julho de 1970. Mas nas suas «Memórias», o autor limita-se a repetir a versão já conhecida de que se tratou de uma “derrota” infligida a Kaúlza d’Arriaga. Todavia, Pachinuapa fornece um dado assaz extraordinário: antes da chegada de Kaúlza d’Arriaga a Moçambique (Março de 1970), já a FRELIMO em princípios de 1969 enviava “novas armas, idas da China para o contrataque (sic) à ofensiva Nó Górdio” (p. 49).

A espinhosa tarefa de revisão do manuscrito de Raimundo Domingos Pachinuapa coube ao Dr. Almiro Lobo, nem sempre bem-sucedido no enquadramento sequencial dos temas tratados pelo autor, e a quem escaparam, entre outros, erros ortográficos como “Yang-Pania” (p. 36), em vez de Young Pioneers, do Malawi, ou “Hostabei” (p. 111), numa referência à zona residencial de Oyster Bay em Dar es Salam. (Redacção)

CANALMOZ – 05.01.2010
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1 comentário:

Anónimo disse...

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