sábado, 6 de julho de 2013

“O mundo não quer que os americanos o tornem feliz” : Voz da Rússia

Ulricht Schacht, escritor, alemão

As relações internacionais da atualidade continuam a se basear nos princípios da política real ou, mais propriamente, na lei do mais forte. O escândalo sobre a vigilância eletrônica realizada em todo o mundo pelos serviços secretos dos EUA provou, mais uma vez, a política dos “duplos critérios” que Washington leva a cabo já há muitos anos.

 Numa entrevista exclusiva à Voz da Rússia, o escritor alemão Ulricht Schacht sublinhou que a atual ordem mundial deve ser alterada: o papel principal deve ser devolvido aos Estados nacionais e os cidadãos devem voltar a ter o direito de decidir a vida do seu país.
 – Os serviços secretos norte-americanos tanto vigiavam os usuários comuns da Internet, como os diplomatas europeus. O que é que esse escândalo revelou, para além disso?
  Ele revelou que as tecnologias modernas possuem grandes capacidades e podem ameaçar qualquer pessoa, onde quer que ela esteja e o que quer que esteja fazendo. Temos de negociar a nível internacional as limitações da expansão das tecnologias e das tendências totalitárias que elas podem permitir atingir. Nos EUA, isso vai muito para além da luta declarada ao terrorismo. É evidente que isso também abrange a espionagem industrial. Tem de se demonstrar claramente aos Estados Unidos que a política dos duplos critérios é inadmissível. É preciso contrariar os americanos a nível internacional para que eles próprios se comecem a orientar pelos critérios cujo cumprimento eles exigem a todo o resto do mundo.
 – É do conhecimento geral que os serviços secretos sempre foram muito ativos na Internet. Agora os políticos fazem de conta que estão surpreendidos e chocados. Eles não estarão como que jogando para a plateia?
  Isso é a “esquizofrenia prática” da política moderna. Claro que muitos políticos, tanto alemães, como dos outros países da UE, sabiam que existiam essas possibilidades. Mas agora eles fingem que foram ingênuos e que não sabiam de nada. Por isso, hoje é importante o papel de pessoas como Snowden, as quais, possuindo informação interna, têm a coragem de relatar os fatos dessa vigilância descontrolada. Nós temos de tomar isso em consideração.
 – Hoje, os EUA podem se dar ao luxo de não ter em consideração as normas do direito internacional. Será possível recuperar, de alguma maneira, o papel dominante do direito internacional?
  Isso é sempre uma questão de soberania. Mas os norte-americanos são conhecidos por não se orientarem pelas normas internacionais na sua política. Os EUA, estando convencidos do seu domínio global, se permitem desrespeitar quaisquer normas ou leis. Penso que primeiro é necessário restaurar, a nível das consciências e a um nível internacional, restaurar o papel principal do Estado nacional, que é um território relativamente pequeno em que a população tem o controle desse território e que o pode defender. Entretanto, o capitalismo orientado para o lucro é totalitário e tenta criar uma “sociedade mundial única” e perseguir os seus próprios interesses econômicos. O desenvolvimento do comércio mundial não deve ser feito em prejuízo das soberanias nacionais. Eu sou a favor do aumento do papel dos Estados nacionais na política internacional, do reforço das suas estruturas, assim como das normas do direito internacional associadas a isso. É inadmissível que a filosofia intervencionista moderna continue a diluir e a minar o direito internacional. Os Estados Unidos têm de perceber que o mundo não quer que os americanos o tornem feliz.
 – Será que esta história irá influenciar as relações políticas dos EUA com a UE? Pois a Europa é demasiada dependente dos EUA para realizar quaisquer passos reais.
  Estão decorrendo neste momento conversações para a criação de uma zona de comércio livre transatlântica que não me parece trazer quaisquer benefícios para os europeus comuns. Se trata apenas de os Estados Unidos receberem um novo mercado. As elites políticas da Europa acreditam em algo como uma “sociedade civil mundial” e uma “política interna mundial”. Nós não estamos assistindo apenas a uma política de alianças, mas a uma política ideológica. Eu considero isso como muito perigoso. Quem acredita que “os estados estão obsoletos” e “o mundo se está unindo” é tudo o que se quiser, menos um democrata.

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