terça-feira, 27 de agosto de 2013

DHLAKAMA E RENAMO: Duas incógnitas nacionais (conclusão)

A VIDA política nacional atravessa momentos complexos, para alguns turbulentos, para outros simplesmente dinâmicos, mas para todos certamente inusitadamente agitadoa.
INCÓGNITA DOIS: A RENAMO
Que Renamo é esta que sempre que aparece “exige, ameaça, ordena e mata”? Como diz, Mia Couto, “a Renamo não tem jornal. Como conheceremos as suas ideias? As suas perspectivas?” Dela pouco se sabe: que fez uma guerra de 16 anos e que o chefe é Afonso Dhlakama.
Mas porquê ainda tem armas e um tratamento “preferencial” não sabemos, já nem são incógnitas, segredos são uns autênticos enigmas, tabus políticos. O que dirão os pais aos filhos? Como explicarão eles o que é a Renamo? e porque ela ainda mata pessoas se, nós como país, estamos em paz? Muitas pessoas, crianças, jovens, adultos e outros tantos como cidadãos gostariam de entender porque ela vai sempre “às golas do Governo”, Estado, do país e aos cordões do “Erário Público”, para matar e ameaçar? O que é e quem é esta Renamo? (Os deputados? os militares?), Que ideias defende?
Historiadores como Christian Geffray, Joseph Hanlon, Alex Vines, Michael Cahen, embora com algumas nuances, alinham-na à Direita, provavelmente, a meu ver, por “exclusão de partes”, se considerarmos que ela se opunha a um Estado Popular de cariz marxista, do que de uma perspectiva ideológica per si. Em termos políticos a Renamo tende a um movimento político de cariz ultranacionalista do que de uma opção de Direita, Conservadora ou Moderada. Encaixa-se mais no perfil da Frente Nacionalista de Le Pen, do que do Movimento Popular de Aznar.
Estrategicamente, e ideologicamente, assenta perfeitamente, no jogo dos khamajors da Serra Leoa e da FRU de Foday Sankoh, amarrada a uma linguagem e estratégias Manu militar e as suas (non)strategic views em assuntos de interesse nacional. As suas alas, com o “estranho interregno” dos intelectuais Ismael Mussa, João Carlos Colaço, Benjamim Pequenino, Manuel de Araújo, entre outros “brain politicians”, tendem a perpetuar uma estratégia de nobreza política, assente em elementos tradicionais e de paternidade da democracia, na qual sobressaem os elementos de "captura" do Estado ou “Blackmail Strategy” que se assiste desde o AGP.
Nos dias que correm, para se entender, ou ajudar entender a “incógnita” que a Renamo é ou em que se transformou, é importante “fugir” dos clichés simplistas, das paixões e dos ódios que ela desponta. Ela TEM que ser alguma coisa, tem que representar alguma alternativa. Nos pleitos eleitorais, até 1999, significa que parte considerável do universo eleitoral nacional lhe deu, e ainda dá, legitimidade e apostou nela. Assim, a manutenção da “incógnita” e o adensar da névoa que a envolve, não defrauda apenas os historiadores e outros voyeurs sociais, alimenta as análises jornalísticas e na imprensa, e defrauda acima de tudo aos que, no jogo democrático, não se revêem na Frelimo. Porém, num modelo democrático multipartidário bipolar (se considerarmos a insipiência representativa da Oposição no país) podemos ter uma situação comparada à que em direito se chama “vacatio legis” e assim temos na Renamo uma “vacatio alternus”.
Na tentativa de a entender, vários são (entre analistas, jornalistas, historiadores e políticos) que a dividem em alas e a versão mais corrente e conhecida é a seguinte:
a)         A Renamo do Asfalto: que integra os deputados da AR, os membros das Assembleias Provinciais e Municipais, Delegados Políticos provinciais e distritais. A Renamo visível, composta por aqueles que no dia-a-dia “dão a cara”, falam em seu nome e , com todas as suas lacunas, fazem política activa;
b)         A Renamo do Mato/Militarizada: composta pelos “Homens Armados” e, naturalmente, por quem os comanda. Esta ala comporta um comando e hierarquias válidas e efectiva. Se considerarmos que em dois momentos a Renamo conseguiu reunir um número considerável de homens em Nampula (2012), e na zona Centro (2013) e em momentos diferentes neste último ano realizou acções militares ao longo da EN1 entre Save e Muxúngue;
c)         A Renamo Política: de alguma forma uma continuidade, ou resquício da ala intelectual, que se “eclipsou” para outros “voos políticos” com o cisma do MDM. O diálogo Governo – Renamo, apresenta a figura de Simone Macuiane e da sua equipe de trabalho (Namburete, Pondeca entre outros), como a de um político que se preocupa, à sua maneira, com o futuro da Renamo e se alicerça nas contínuas e (in)frutíferas rondas negociais para fazer vincar a existência de uma direcção e perspectiva na Renamo, contrariando a estratégia de permanente ausência da vida política nacional.
(IN)CÓGNITA TRÊS: A PSICOLOGIA DO TERROR
Há, nesta tenebrosa e complexa estratégia, uma forte exploração do medo colectivo, em que se alicerçam e se suportam as operações de cariz militar que a Renamo efectua, a pretexto de provocação das forças do Estado (?) a Renamo materializa operações militares para alimentar um terror que com a sua cruel mestria causa. Para a população de um país bastante dilacerado pela guerra, o espectro desta ainda paira e ao mínimo sinal de volta ao cenário dantesco o medo se instala e o pânico paira sobre as cabeças de milhares.
Outro elemento que suporta a tenebrosa estratégia é a exploração de um discurso bélico bastante intimidatório, que por um lado pretende (re)capturar as suas desencantadas e titubeantes bases e por outro acenar com um vigor discursivo, embora ameaçador, a sua parte de progenitor da democracia. Neste âmbito figuras como Manuel Bissopo e Jerónimo Malagueta encarnaram nos últimos momentos a possibilidade de uma provável enxertia, ou alternativa à direcção da Renamo, personificada em Dhlakama, no sentido de aquela ser “ultrapassada” ou “(des)comprometida” com a causa.
A Renamo e Dhlakama sabem-no e exploram este elemento à exaustão. Permanecem intransigentes num diálogo em que fazem o papel de surdos, mas não de mudos. Esperando, com a chantagem militar ao país, personificada nesta espécie de “Paz Armada” o povo e o conjunto da sociedade pressione o Governo, a Frelimo e Estado a “cederem” em nome da paz e da estabilidade.
A atmosfera de terror psicológico iniciada pelas acções militares da Renamo, não se resolverá com qualquer ou nenhuma das cedências políticas que forem feitas pelo Governo. Assim quem acredita numa provável deténte a partir do diálogo político verá goradas as suas expectativas pois a Perdiz insiste em recuperar o terreno político que foi perdendo mercê dos seus erros de estratégia e da hibernação política do seu líder pela forma de pressão militar. Daí a evitar sempre qualquer referência aos Homens Armados no processo de diálogo político a nível das delegações, como evitar, inclusive a menção destes como prévio para um encontro entre o seu líder e Guebuza, que resolveria o problema definitivamente. Porque o faz se é pela paz?
 
CONCLUSÃO
 
Os problemas da, com, e que envolvam a Renamo serão ultrapassados se aquela abandonar a sua venial natureza e enveredar de uma vez por todas pelo transparente processo do debate e confronto político democrático. Que com todas as vicissitudes e defeitos que se lhe apontam configura-se a única e irreversível forma de entendimento político que existe no país.
Os resultados eleitorais ao longo destes anos de convivência multipartidária ilustram a existência de uma base eleitoral substancial, e ilustram igualmente a decepção e ou a orfandade dessa mesma base relativamente à sua opção de projecto político. A Renamo, a procurar bodes expiatórios para a crise que vive, deve, antes de mais, realizar um franco e introspectivo diálogo que exorcise os males e os extirpe a bem da sua sobrevivência. A insistir nesta estratégia suicida, arrastará o país para o conflito.
Sobre as duas incógnitas elas resultam em grande medida do seguinte:
a.  da difícil transição de um movimento armado, do cariz da Renamo, sem motivação ideológica clara, para um partido político que se apresente alternativa ao partido e Estado, cuja finalidade da sua criação e existência foi combatê-lo. Muitas vezes o entendimento da Renamo sobre as estratégias políticas, discursivas e de desenvolvimento do país, são entendidas na perspectiva de uma Frelimo da RPM, a que visceralmente se opôs e, pior, embora aquela se esteja empenhada num, também complexo, de adaptação das novas realidades, procurando manter o seu perfil ideológico e de base, face a novas dinâmicas. Permanece assim, a Renamo, refém do seu primário entendimento da Frelimo o que justifica a reação deste partido;
b.  de dinâmicas socio-antropológicas e culturais imutáveis, pela essência da sua génese, que impendem a materialização da necessidade da Renamo, reagir como actor político credível, enquanto persistirem tais dinâmicas;
c.   pela anacrónica existência e modus de ser: inoperância grave dos órgãos e inobservância dos estatutos pelos motivos apresentados em b.;
d.  a terceira (in)cógnita, bastante conhecida, assenta no que para muitos é o principal trunfo da Renamo: os Homens Armados e a opção militar  será a sua queda, pois apostar numa estratégia militar ou marcial não se configura uma saída adequada a médio longo prazo.
Permanece assim a Renamo, refém de dos seus problemas e crises internas que a impedem de trabalhar, de entender o que à sua volta se passa e de dar um contributo positivo, cidadão, responsável e nacionalista. Encontra-se, ela, presa a um estranho e complicado processo socioantropológico que dela se apossou e, finalmente, a subjugou, pondo-a ao serviço de obscuros e insidiosos desígnios de expressão do poder e apenas por aquele, procura tal processo, aprisionar a Renamo, o país e toda a sociedade aos seus interesses pessoais.
Rafael Shikani

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