sexta-feira, 21 de março de 2014

A miséria da crítica em Moçambique

Saudades de Marx
Fui, sem perceber lá muito bem o que fazia, bastante receptivo às ideias de Marx durante muito tempo. Isso foi principalmente no tempo da Frelimo gloriosa e no contexto da relação amorosa que havia nessa altura entre o poder e os escritos desse barbudo alemão. À medida que fui adquirindo a capacidade de ler e entender textos dessa índole fui ficando progressivamente desiludido. A leitura de Karl Popper, contudo, sobretudo as suas obras sobre a sociedade aberta e os seus críticos bem como o livrinho com o título “a miséria do historismo”, fez-me abandonar Marx como orientação intelectual útil. O título que Popper deu ao seu texto, nomeadamente “a miséria do historismo” é interessante porque já tinha sido empregue pelo próprio Marx num livro publicado postumamente com o título “a miséria da filosofia”. Tratava-se, por sua vez, duma crítica a um outro livro escrito por um economista francês, Pierre Joseph Proudhon (com cujas posições, sobretudo em relação à revolução, simpatizo bastante, apesar de tudo...) com o título “a filosofia da miséria”. A crítica de Marx tinha, contudo, toda a razão de ser. Marx criticava Proudhon por ele ter tentado fazer uma história da humanidade sem nenhuma teoria sólida e com referências filosóficas bastante pobres e problemáticas.
Marx apoiava-se, como sempre o fez, na sua visão materialista das coisas que ele considerava como sendo a única correcta. Foi essa visão que lhe permitiu produzir um pensamento extremamente coerente e, verdade seja dita, uma descrição brilhante do sistema capitalista. Era com base nessa visão que Marx abordava o mundo. Ele olhava para as coisas que o interessavam a partir dessa visão, uma visão que lhe permitia também se concentrar no essencial, e nunca no supérfluo. Não preciso de estar de acordo com ele para apreciar a sua enorme coerência bem como a utilidade do seu procedimento metodológico. Há vários intelectuais moçambicanos, sobretudo aqueles que se formaram no contexto dessa tradição intelectual, que ainda hoje continuam a abordar o país a partir dessa perspectiva. E quando o fazem sem misturarem as suas paixões ideológicas o pensamento que produzem é coerente e útil para discutir os problemas do país. Infelizmente, porém, o ambiente intelectual que predomina no país tornou cada vez mais difícil discussões verdadeiramente intelectuais. Cada vez mais nos afundamos em discussões de índole meramente ideológica e à inépcia compreensível de largos sectores da nossa classe política e seus assessores – governo e oposição – junta-se a incapacidade da classe intelectual de influenciar o debate público de forma mais útil. Deixamo-nos levar pelo canto das musas que é a frase espontânea, aforística e “crítica”, mas esvaziada de todo o sentido e conteúdo, no Facebook, e juntamo-nos a uma mediocridade que algumas pessoas parecem estar apostadas a promover.
Haverá eleições este ano. A única discussão que anda por aí é sobre se um suposto ilustre desconhecido vai poder ganhar as eleições, sobre se os outros partidos são suficientemente democráticos se não encenam o seu processo de sucessão ou indicação dos seus candidatos, se é justo fazer campanha com meios do estado (claro que não é!), etc., etc. Ainda não vi nenhuma discussão substancial, por exemplo, das opções políticas que se apresentam para seja quem for que ganhar as eleições, sobre os temas que devem estar na agenda dos partidos políticos, sobre como os vários grupos que compõem a nossa sociedade se posicionam em relação a esses temas, sobre o que o actual governo fez até aqui (ou não) e o tipo de legado que deixa para quem vier depois, sobre o que significaria para a democracia moçambicana uma possível alternância política, sobre os desafios na segurança social, na agricultura, nas indústrias extractivas, enfim, toda uma série de assuntos sérios que precisam duma discussão que vai para além daquele ponto fácil que se ganha no Facebook com muitos “likes”, mas que não nos leva necessariamente a sítio nenhum, sobretudo não nos torna mais conhecedores dos desafios que o país enfrenta.
Não gosto de Marx, nem fui do seu tempo, mas tenho saudades da sua insistência no que era, para ele, claro, o essencial, nomeadamente os grandes assuntos, aqueles assuntos que ultrapassavam a esfera do indivíduo e mexiam realmente com tudo quanto faz um país. De alguma maneira, parece-me que esta falta de interesse nesse tipo de assuntos é sintomática não só da frivolidade do compromisso que alguns de nós temos com o trabalho intelectual, mas também, uso conscientemente Marx aqui, da nossa “alienação” em relação ao nosso país. É preciso uma boa dose de falta de interesse pelo país para encontrar satisfação na repetição nauseabunda de chavões, lugares-comum e constatações fáceis que não são acompanhadas de nenhum esforço de compreensão do que torna certas coisas possíveis. Quando fazer crítica desce até ao nível de apenas constatar o que o presidente da república, o líder da oposição, o ministro sincrano ou beltrano, etc. fazem mal sem contextualização, sem aprofundamento, sem nada mesmo, ficamos a mercê da mediocridade.
Se Marx ressuscitasse escrevia um panfleto com o título “a miséria da crítica em Moçambique”. Enquanto isso não acontece, faço-o eu.

1 comentário:

Anónimo disse...

Opiniao pessoal de Eliseu Macamo que respeito! Anters de mais, e' preciso ver a realidade da educacao em Mocambique e o seu contexto historico e tempo de implementacao da democracia no Pais. Os intelectuiais locais so agoram estao a libertar-se, e de forma titubeante, e expor suas ideias. Voce mesmo, a anos atras, podia criticar ou expor suas ideias de forma como o faz agora sem que nada aconteca? Entao, para mim, ja e um passo o que esta a acontecer porque diferente dos anos passados. Porque o processo democratica ja esta dando sinais de existir e' dai se pode entender sua preocupacao em que seja melhorado, e que seja qualitativo! Dantes nao se podia melhorar o que nao existia. Por algum lado tinha que se comecar....