sexta-feira, 27 de março de 2015

Números que magoam

por NUNO SARAIVAOntem


As estatísticas são quase sempre frias. Números e mais números que, na maioria das vezes, nos fazem bocejar de tão maçadores que são. Porém, quando mergulhamos na contabilidade, não são raras as vezes em que descobrimos pessoas, vidas desfeitas, por detrás das contas. É o que acontece hoje com a notícia que faz manchete do DN. Nos últimos dez anos, 700 crianças ficaram órfãs de mães que foram vítimas de violência doméstica. É, como já aqui se escreveu, uma barbaridade que nos envergonha. E o que mais choca é que, de acordo com a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes, a esmagadora maioria destes menores - quase sempre testemunhas dos assassínios cometidos pelos "pais" - tiveram de conviver com traumas brutais sem qualquer apoio psicológico do Estado. Isto é, como se não bastasse serem vítimas de um contexto criminoso, são-no também porque abandonadas à sua sorte por quem tinha o dever de as/os proteger, acompanhar e tratar. A afirmação pode parecer bacoca e simplista, mas um Estado que não cuida das suas crianças e, pior, que as despreza, é tão criminoso quanto um pai ou uma mãe em fúria que não hesitam em agredir durante anos a fio até ao fim trágico que é conhecido. Só no primeiro trimestre deste ano, que ainda não terminou, já morreram nove mulheres às mãos dos maridos ou companheiros. Estamos, portanto, em linha com a média de três mulheres assassinadas por mês estabelecida em 2014. Sabemos que existe, pelo menos no terreno da dialética, a vontade política transversal de combater de forma exemplar este fenómeno. Mas também sabemos que de boas intenções está o inferno cheio. Enquanto a burocracia anda PARA trás e para diante, continuamos a ter notícias que chocam qualquer pessoa civilizada. Os números, por reduzidos que sejam, serão sempre uma catástrofe. E as 700 crianças a quem é esquecido o apoio - valha-lhes a APAV - são tão vítimas quanto as mães. Como dizia Jean Paul Sartre, "a violência, seja qual for a maneira como se manifesta, é sempre uma derrota". E, neste caso, os derrotados somos todos nós.

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