quinta-feira, 29 de outubro de 2015

“Não somos um país de grandes revoluções”

“Não somos um país de grandes revoluções”

Jorge Oliveira
“Pneu em chamas” é o mais re­cente livro de Jorge de Olivei­ra, no qual o autor tece uma leitura sobre a sociedade onde vive, confessando que Moçambi­que não é um país de grandes re­voluções. Do “Pneu em chamas”, o ex-Secretário-geral da AEMO espera que se levantem discus­sões sobre os assuntos retratados.
Uma pergunta iniciática. Há vários anos que as letras fazem parte da sua vida. Porquê as es­colheu e porquê persiste neste percurso cheio de obstáculos?
Quando escrevi os meus pri­meiros textos, sobre ficção e várias matérias, há mais de vin­te anos, alguém chamou-me e disse-me que o mundo das artes e letras é muito cão, “sacana” e com muitos obstáculos. Mas eu pensei, que profissão não tem obstáculos? Resolvi continuar a escrever sem ter medo dos peque­nos e grandes embates que a vida nos traz.
A emigração é um dos temas que envolve os autores da sua geração e que, em “Pneu em chamas”, aparece bem vincada. Que alcance pretende dar a este fenómeno numa altura em que a onda de emigrantes assalta a Europa?
O moçambicano, tendencial­mente, não é muito de se aven­turar pelo exterior. É verdade que temos compatriotas nossos nas minas da África do Sul e outros que foram trabalhar na Alemanha, os “madjermanes”, mas, por natureza, o moçambi­cano não sai. No caso de “Pneu em chamas”, também temos um emigrante que vai trabalhar para as minas sul-africanas. Essa per­sonagem representa o moçam­bicano que emigra à procura de melhores condições de vida, no entanto, vincando que, como povo, continuamos agarrados às nossas raízes e ao nosso chão. Quanto à onda de emigrantes que assalta a Europa, encaro esse fenómeno como o percurso natu­ral do ser humano, adaptar-se a novas realidades.
Ao mesmo tempo que o livro configura uma sociedade anémi­ca e histérica até, tece um qua­dro semelhante sobre algumas entidades. Que almeja projectar  através da sua escrita?
A minha primeira intenção é que os assuntos abordados no li­vro sejam debatidos, porque en­tendo que da discussão nasce a luz. Temos de discutir para que tenhamos soluções. E, ao retratar momentos em que o país registou duas convulsões, quis combater o dogma de que os melhores livros deste país são aqueles em que re­tratam o período colonial. Penso que como autor não poderia es­tar alheio ao que se passou nas nossas ruas há alguns anos.

 Não podia estar alheio ao pre­sente… Acha que os autores da sua geração estão a conseguir adaptar-se à contemporaneida­de?
Tenho algumas dificuldades em responder a esta pergunta. Mas há um movimento literário neste país. Depois da Charrua ti­vemos alguns solavancos e engas­gamo-nos um pouco em termos literários. Inclusive, falou-se da morte da literatura moçambica­na. Houve um ponto morto, mas voltamos a ter um movimento. Agora, se nós estamos a adaptar­mo-nos à contemporaneidade, não consigo responder. Estamos a fazer o papel que compete a nossa e qualquer geração.
E os novos autores?
Faremos uma melhor avaliação e balanço mais a frente – agora pareço um político a falar: ire­mos avaliar… o impacto… – por­que
 este movimento é recente, com mais ou menos 10 anos. Pre­cisamos de mais tempo.
“Uma sociedade assim estru­turada é um barril de pólvora à espera do dia da explosão”. É um excerto do livro. A que estru­turação se refere e como reestru­turá-la?
Essa estruturação é a deses­truturação... Nós, muitas vezes, pensamos que juntar um moçam­bicano do Norte e do Sul é “uni­dade nacional”, o que nos faz jul­gar que estamos todos bem. Isso é uma plástica que não resolve os nossos problemas e é um pouco disso que estamos a sofrer neste momento. Para resolvermos esta situação, antes temos de perceber como é que a nossa sociedade está estruturada.

 Em “Pneu em chamas” mexe nas enfermidades do país. Acre­dita que um livro da actual litera­tura moçambicana pode suscitar debates de maneira a criar uma revolução de ideias susceptíveis de iluminar os cidadãos e polí­ticos que ameaçam a nossa paz?
Lembro-me que tive um dile­ma quando mostrei o projecto deste livro a algumas pessoas. Disseram-me que não podia es­crever sobre uma situação tão actual. Enfim… Nós não somos um país de grandes revoluções e nem de grandes convulsões. O “Pneu em chamas” é o retrato de dois momentos registados em anos diferentes, que foram in­cómodos. Quem for a ler o livro vai reviver esses momentos e vai perceber que ambos precisam ser analisados – nenhum deles pode ser esquecido.

 Que metáforas estão aqui no livro e que espera serem enten­didas até pelo leitor humilde?
A grande metáfora é o pneu, a personagem principal do li­vro. Penso que o leitor perceberá com muita facilidade que a gran­de metáfora é o pneu. Quando escrevia o livro percebia que o pneu ia atravessando a vida das personagens como atravessou a vida dos moçambicanos durante os acontecimentos que aqui re­trato.
Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?
Sugiro “De medo morreu o susto” e “Gatsi Lucere”, ambos de Aurélio Furdela.

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