domingo, 31 de janeiro de 2016

Angola: Relatório Mundial 2016 - Direitos humanos


New York - O governo do presidente José Eduardo dos Santos continua a violar os direitos humanos em Angola, apesar dos vários compromissos assumidos para melhorar o seu historial. Em Março, o governo angolano disse que iria aceitar várias das recomendações resultantes da Revisão Periódica Universal do país, realizada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em Outubro de 2014. No entanto, no mesmo mês, aprovou uma lei restritiva que regulamenta o trabalho das organizações não governamentais (ONG). As forças de segurança continuam a reprimir os meios de comunicação independentes, os activistas de direitos humanos e outros críticos do regime através da instauração de processos criminais por difamação, detenções arbitrárias, julgamentos injustos, intimidação, assédio e vigilância. Dois proeminentes activistas de direitos humanos foram condenados a penas de prisão na sequência de julgamentos iníquos, o que envia uma mensagem inequívoca de tolerância zero com as vozes dissidentes.

Fonte: Human Rights Watch

Eventos de 2015
As forças de segurança detiveram arbitrariamente e fizeram uso de força excessiva contra críticos do governo. Além disso, também impediram diversos protestos pacíficos e outros encontros contra o governo. Em Junho, a polícia deteve 15 activistas que se haviam reunido para ler e discutir livros sobre resistência pacífica. Na província do Huambo, em Abril, a polícia matou um número desconhecido de fiéis de uma seita religiosa, durante uma operação que tinha como objectivo prender o líder da seita.


Liberdade de Expressão
A liberdade de expressão em Angola continua sujeita a fortes restrições devido à repressão do governo, censura e autocensura dos meios de comunicação estatais e dos órgãos de comunicação privados, controlados por oficiais do partido no governo. Houve ligeiros avanços em 2015, quando alguns órgãos de comunicação, incluindo a televisão estatal TPA e o canal privado Zimbo, começaram a permitir que a oposição e grupos da sociedade civil participassem nas suas discussões semanais em directo sobre direitos humanos, segurança e activismo juvenil. No entanto, as discussões públicas sobre estes temas de natureza sensível continuam a ser extremamente raras.

O governo continua a servir-se regularmente da legislação em matéria de difamação e de outras leis abusivas para silenciar os jornalistas. Em Março, o ministro da justiça e direitos humanos, Rui Jorge Mangueira, acolheu positivamente as preocupações expressas pelo Conselho de Direitos Humanos relativas ao direito à liberdade de expressão em Angola, mas insistiu que as actuais disposições sobre difamação presentes na constituição do país cumpriam os padrões internacionais. O governo angolano defende as disposições constitucionais sobre difamação, calúnia e delitos semelhantes, afirmando que protegem os interesses do lesado e não violam ou restringem o direito à liberdade de expressão.

Os blogues e as redes sociais continuam a ser os principais canais de debate aberto em Angola. Em Julho, vários indivíduos, incluindo José Gama, que as autoridades acreditam estar ligado ao site de notícias Clube-K, e Rafael Marques, editor do site de notícias Maka Angola, foram interrogados pelos serviços de informação a propósito da origem e do conteúdo de alguns artigos sobre o procurador-geral publicados nos respectivos sites. Os artigos sugeriam que o procurador-geral, João Maria Moreira de Sousa, utilizara o seu gabinete para, de forma deliberada e ilícita, visar uma empresária.

Em Maio, Rafael Marques, um proeminente jornalista angolano e activista de direitos humanos, foi condenado a seis meses de prisão com pena suspensa durante dois anos por difamar criminalmente sete generais de alta patente do exército angolano num livro publicado em Portugal em 2011. O tribunal proibiu Rafael Marques de republicar o livro e de traduzi-lo. O activista havia acusado os queixosos de envolvimento em tortura, violações e assassinatos. Apesar de o prazo legal para apresentar acusações formais ter terminado em Junho de 2014, o processo judicial continuou a decorrer. A procuradoria-geral arquivou uma queixa apresentada por Rafael Marques contra os generais e associados em 2012 e não investigou as alegações.

Em Junho, um grupo de 15 proeminentes activistas, a maioria dos quais é membro do Movimento Jovens Revolucionários de Angola, foi detido em Luanda, a capital, no seguimento de uma reunião onde leram e discutiram livros sobre métodos não violentos de protesto. Duas outras activistas do sexo feminino foram igualmente interrogadas em Agosto, não tendo sido detidas. Todos os activistas foram acusados de preparação de rebelião e atentado contra o presidente da república e as instituições do Estado. Caso sejam considerados culpados, podem vir a enfrentar penas de prisão pesadas.

Pelo menos quatro dos activistas fizeram greve de fome para protestar contra a sua detenção e encarceramento. Henrique Luaty Beirão pôs fim à sua greve de fome após 36 dias de protesto, em resposta aos pedidos de familiares e amigos. A data do julgamento foi agendada para Novembro. Alguns dos 15 activistas detidos foram mantidos em prisão preventiva mais de 90 dias sem acusação formal, o que ultrapassa os três meses permitidos pela legislação angolana.

Os jornalistas que fizeram a cobertura dos protestos em Luanda e outros lugares, incluindo o enclave de Cabinda, célebre pela sua riqueza petrolífera, foram igualmente assediados e detidos por agentes de segurança do Estado. Em Agosto, Nelson Sul d'Angola da Deutsche Welle foi brevemente detido pela polícia em Luanda, no seguimento de uma visita aos 15 activistas presos. Também em Agosto, Coque Mukuta da VOA foi detido em Luanda, quando familiares e amigos dos 15 activistas detidos tentaram realizar uma marcha pacífica. A polícia apreendeu o seu equipamento.


Direito à Reunião Pacífica
O artigo 47.º da Constituição de Angola permite que os cidadãos protestem sem autorização prévia, desde que informem as autoridades com a devida antecedência. No entanto, o governo continuou a responder a todas as manifestações pacíficas contra o governo com força excessiva e detenções arbitrárias, alegando que alguns dos protestos haviam sido organizados por pessoas que tinham a intenção de desestabilizar o país. Em 2015, não houve registo de nenhuma manifestação ou marcha pacífica contra o governo que tenha sido autorizada pelas autoridades. Todas as tentativas dos apoiantes dos 15 activistas do Movimento Revolucionário detidos de realizar vigílias ou marchas pacíficas foram proibidas.
Muitos dos que tentaram organizar protestos acabaram por ser detidos, encarcerados e julgados em processos judiciais injustos. Em Março, Arão Bula Tempo, advogado especializado em direitos humanos e presidente do Conselho Provincial de Cabinda da Ordem dos Advogados de Angola, foi acusado de rebelião por ter planeado uma manifestação pacífica contra a corrupção. Foi libertado em regime de liberdade condicional e aguarda julgamento. Em Setembro, Marcos Mavungo, um proeminente activista de direitos humanos que fora detido em Março, foi condenado a seis anos de prisão por tentativa de organização de um protesto contra a má governação e as violações de direitos humanos na província de Cabinda. Em Outubro, as autoridades de Cabinda impediram a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) de realizar workshops sobre transparência na indústria petrolífera.


Conduta das Forças de Segurança
As forças de segurança continuam a ser implicadas no uso excessivo de força. Em Abril, o partido da oposição, União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), acusou as forças de segurança angolanas do assassinato de centenas de membros de uma seita religiosa cristã, a Igreja do 7.º Dia Luz do Mundo, liderada por José Kalupeteka em Caala, província do Huambo. A polícia disse que nove agentes da polícia e 13 dos guarda-costas de Kalupeteka foram mortos durante o confronto, mas negou a ocorrência de um massacre. As autoridades permitiram que a comunicação social e deputados visitassem a área, mas apenas sob escolta policial. As autoridades recusaram os pedidos de grupos locais de direitos humanos, deputados da oposição do Parlamento e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos para a abertura de uma comissão independente para investigar os acontecimentos. Em Outubro, Kalupeteka foi formalmente acusado de crimes de homicídio, desobediência civil e posse ilegal de armas. Aquando da redacção deste relatório, ainda aguardava julgamento.
Num caso raro de responsabilização de agentes de segurança, sete agentes de polícia e de segurança do Estado foram condenados em Março a entre 14 e 17 anos de prisão pelo assassinato de dois organizadores de um protesto, Isaías Sebastião Cassule e António Alves Kamulingue. Os dois homens foram raptados, torturados e assassinados em 2012 após terem organizado uma manifestação de ex-guardas presidenciais e veteranos de guerra devido a queixas de salários e pensões por pagar.


Sociedade Civil
Uma nova lei que regulamenta as ONG em Angola, o decreto presidencial n.º 74/15, entrou em vigor em Março e restringe gravemente a independência da sociedade civil. Exige que as organizações da sociedade civil se registem junto de várias autoridades, incluindo o Ministério dos Negócios Estrangeiros, antes de poderem começar a operar, que obtenham uma «declaração de idoneidade» emitida pelo governo, que realizem actividades que estejam em linha com as políticas do governo, que se sujeitem a supervisão por parte das autoridades, que apresentem contratos de financiamento para aprovação prévia, que permitam que as autoridades determinem os programas e projectos que deverão realizar e o local onde os projectos deverão ser realizados. Durante a 57.ª sessão ordinária da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos em Banjul, o secretário de estado angolano das relações exteriores reuniu-se com grupos angolanos e internacionais de direitos humanos e comprometeu-se a resolver as «zonas cinzentas» do decreto.

Em Setembro, o director da Open Society Foundation em Angola, Elias Isaac, foi interrogado pela polícia angolana sobre alegações de que a organização havia financiado o site Club-K, que assume uma postura crítica do governo. Isaac já fora acusado no passado por membros do partido no poder de financiamento de protestos contra o governo. A Open Society Foundation negou todas as acusações.


Actores Internacionais Fundamentais
A riqueza petrolífera e o poder militar de Angola continuam a fazer do país uma potência influente em África. José Eduardo dos Santos continua a desempenhar um papel importante na região, em particular nos conflitos na região dos Grandes Lagos de África. Em 2015, a França aclamou Angola como uma presença estável na região e os Estados Unidos elogiaram a Presidência de Angola na Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (International Conference on the Great Lakes Region, ICGLR). Além disso, ainda mantém o lugar de membro não permanente no Conselho de Segurança da ONU, cujo mandato só terminará em 2016.

O governo angolano não foi receptivo às críticas dos parceiros internacionais. Em Maio, na sequência das denúncias do alegado massacre no Huambo, o gabinete do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) instou o governo angolano a realizar «uma investigação verdadeiramente séria, independente e minuciosa» dos acontecimentos. O governo acusou o ACNUDH de violar os seus próprios procedimentos e exigiu um pedido oficial de desculpas.

Em Setembro, na sequência de uma resolução do Parlamento Europeu sobre os direitos humanos em Angola, que urgiu as autoridades a investigar e pôr termo às detenções e encarceramentos arbitrários e à tortura pela polícia e forças de segurança, o país negou as alegações e disse que a resolução se baseava num relatório parcial e subjectivo realizado por uma deputada europeia em visita privada ao país.

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