quarta-feira, 19 de abril de 2017

Buchili diz que orçamento condicionou desempenho


Procuradora-Geral vai fazer a radiografia do estado da justiça no país
Em 175 páginas, incluindo anexos, o informe anual que a procuradora-geral (PGR), Beatriz Buchili, apresenta hoje faz uma radiografia de pouco mais de 12 meses do estado da Justiça no país, numa viajem pela situação criminal e desempenho do sistema judiciário.
Sem fugir daquilo que tem sido regra nos informes anuais da PGR, Buchili vai apresentar uma radiografia das realizações do sector e estatísticas criminais do ano, trazendo alguma base de comparação com o período anterior.
O informe fala de um ano marcado pela crise financeira, que diz ter afectado o desempenho do Ministério Público. “O quadro sobre o estado geral do controlo da legalidade que apresentamos revela que o ano de 2016 foi, para o Ministério Público, à semelhança de todas as instituições do Estado, marcado por constrangimentos orçamentais com implicações negativas no cumprimento dos planos inicialmente concebidos, bem como no desempenho processual dos magistrados e investigadores, sobretudo no que respeita à realização de diligências específicas”, diz o informe nas suas conclusões, como que a justificar os resultados contidos, antecipando qualquer juízo negativo que dele for feito.
O informe aborda com preocupação da incidência de casos de corrupção, que continua a ser um calcanhar de Aquiles para o país. Apesar de apresentar alguns casos notáveis com resultados em termos de acção combativa, o Ministério Público destaca, com alguma preocupação, a peculiaridade de alguns. “Durante o período em análise, registámos, com preocupação, casos de corrupção que se destacam pela forma gananciosa e desmedida com que foram praticados, bem como pelas quantias e qualidade das pessoas envolvidas”, refere o informe.
O relatório apresenta como exemplos casos de agentes da Polícia de Trânsito “que recebem valores monetários para não passarem multa, ao detentor de cargo público que, beneficiando da sua qualidade, beneficia de negócios e/ou dinheiros públicos, em prejuízo do Estado e de toda a colectividade”.
A seguir, acompanhe o resumo de algumas das principais notas deste que será o segundo informe de Beatriz Buchili ao Parlamento, no presente ciclo de governação.
Violência doméstica
O ano 2016 foi caracterizado por ocorrência de casos de violência doméstica que, pela forma bárbara com que os actos foram praticados, alarmaram a sociedade. No período em análise, foram instaurados 5 950 processos criminais por violência doméstica. Destes, a violência física simples ocupa um lugar de destaque, com 3 233 processos.
Foram despachados 6 368, tendo sido acusados e remetidos ao tribunal 5 478 processos. Em 433 recaiu despacho de abstenção e transitaram 457 para o presente ano.
A amplitude da violência doméstica em todo o país exige uma atenção renovada, no que tange às medidas de prevenção e combate. Para além dos cuidados médicos assegurados às vítimas e das acções judiciárias para a prevenção ou redução de casos, é importante reforçar o sistema integrado de atendimento.
Branqueamento de capitais
O nosso país registou, no período em análise, casos de suspeita de utilização do sistema financeiro para ocultar ou dissimular a proveniência ilícita de capitais, através de esquemas que configuram crime de branqueamento de capitais.
Para o efeito, introduzem no sistema financeiro valores monetários provenientes da actividade criminosa, da mais diversa natureza, nomeadamente, desvio de fundos do Estado, raptos, tráfico de pessoas, de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como de parte de espécies protegidas, investindo, subsequentemente, em projectos económicos, no país e/ou no estrangeiro, em benefício próprio ou de terceiros, causando repercussões negativas tanto a nível social como económico.
No período em análise, registámos 12 comunicações e quatro denúncias de operações suspeitas, que totalizaram 1 887 322 434,27 meticais, e deram lugar a 16 processos, contra oito em igual período do ano anterior. Foi deduzida acusação em sete processos, em dois recaiu despacho de abstenção e sete encontram-se em instrução preparatória.
Raptos: um desafio permanente
Os raptos continuam a ser um desafio para o Estado, em geral, e para o Ministério Público, em particular, figurando entre os crimes com consequências mais nefastas para a economia do país, tornando-se num risco real para a sociedade, onde o medo e incerteza no seio da população fazem com que os cidadãos tenham receio de levar a sua vida normal.
Para fazer face a este crime, temos estado a reforçar a capacidade técnica dos magistrados judiciais e do Ministério público, bem como dos inspectores e agentes da PIC, através de acções de formação. Como resultado dessas acções, nota-se, nos últimos anos, uma tendência decrescente na ocorrência de crimes de raptos. Por exemplo, de 2013, ano em que houve maior incidência deste crime, com 44 processos, houve redução sucessiva para 14, em 2016.
No período em análise, foram despachados 16 processos, tendo sido acusados e remetidos aos tribunais 15 processos, sobre um recaiu despacho de abstenção e um encontra-se em instrução preparatória. Entretanto, os resultados alcançados não nos podem embalar. É preciso aprimorarmos e consolidar algumas medidas.
Crimes informáticos
A criminalidade informática, associada ao fenómeno da globalização, é considerada a principal ameaça criminal, pois as tecnologias de informação e comunicação estão presentes em todos os domínios da actividade humana. Com o desenvolvimento da internet e das redes sociais, os meios e recursos informáticos revelam-se um instrumento transversal a outras categorias criminais, abrangendo crimes contra as pessoas, contra a honra, contra o património e contra o Estado, potenciando a execução de crimes como terrorismo, abuso sexual de crianças, burla, ameaça e branqueamento de capitais, entre outros.
A previsão, no novo Código Penal, da categoria de infracções denominada crimes informáticos, veio preencher uma lacuna, criando condições para a responsabilização criminal de indivíduos que se envolvem na prática destes crimes. Na sequência, foram instaurados, no período em análise, 135 processos, dos quais 56 acusados e 74 em instrução preparatória.
Entretanto, a evolução sempre crescente da tecnologia informática exige não só a introdução de medidas arrojadas, mas também o acompanhamento e actualização permanente da legislação, para a prevenção e combate ao crime cibernético.
Tráfico de pessoas e de órgãos
O crime de tráfico de pessoas e órgãos humanos manifesta-se pela movimentação de pessoas de um lugar para outro, com a finalidade de as explorar de diversas formas, nomeadamente, trabalho forçado, exploração sexual, prostituição forçada, podendo incluir a retirada de órgãos humanos. Estima-se que 10,5% do tráfico de pessoas em Moçambique se destina à exploração sexual e 89,5% à extracção de órgãos e trabalho forçado.
Em 2016, foram instaurados 19 processos, contra 95 em igual período anterior, representando um decréscimo de 76 processos, o correspondente a 80%. Foram proferidos despachos de acusação em 17 processos, em um recaiu despacho de abstenção e um encontra-se em instrução preparatória, contra 58, 11 e 26 em igual período anterior, respectivamente.
Temos consciência de que os avanços alcançados, neste exercício, estão ainda longe do ideal. 
Linchamentos a aumentar
Os homicídios e ofensas corporais praticados por multidões contra suspeitos de prática de crime, na alegada crença de estarem a exercer justiça, continuam a constituir nossa preocupação.
Trata-se de uma violação arrepiante dos direitos e garantias constitucionais dos cidadãos, pois não dá, sequer, oportunidade de defesa à vítima, que é, sumariamente, acusada, julgada, condenada e executada pela multidão, mesmo sem provas, o que pode concorrer para o enfraquecimento do estado de Direito Democrático.
Foram instaurados, em todo o país, 87 processos-crime, contra 33 em igual período anterior, havendo aumento de 54 processos, correspondente a 163,6%. No mesmo período, os linchamentos resultaram em 27 vítimas mortais, contra 26 do período anterior. Segundo dados estatísticos coligidos, o país registou, no ano de 2016, em média, dois linchamentos por semana. Os números demonstram que, infelizmente, os linchamentos se tornaram uma prática da realidade moçambicana, contra a qual a sociedade, no geral, é chamada a contribuir para a sua erradicação.
O que disse a procuradora-geral no anterior informe anual sobre o estado da Justiça
Foi no dia 22 de Junho do ano passado que Beatriz Buchili, que dirige o Ministério Público desde 2014, apresentou o seu primeiro informe anual no presente ciclo de governação. No documento de 231 páginas, Buchili admitiu que o país registava delitos que “desafiam os esforços colectivos de prevenção”.
“Nos centros urbanos, há registo de baleamentos selectivos de cidadãos na via pública, à luz do dia, por indivíduos que se fazem transportar em viaturas não identificadas, numa atitude de veemente afronta ao poder das autoridades”, disse a procuradora, acrescentando que o roubo perpetrado pelos agentes de segurança pública e privada, com recurso a armas de fogo, é uma “inversão dos valores pelos quais juraram” trabalhar para a sociedade, disse na ocasião.
No capítulo atinente à corrupção, o informe da PGR indica que este é um mal cujo combate depende da mudança de atitude, pelo que, em 2015, foram realizadas mais campanhas de educação cívica nas instituições públicas e privadas, incluindo escolas. “A construção de uma sociedade íntegra passa por dotar os alunos, a mulher e o homem de valores ético-morais”, frisou. Na ocasião, a preocupação dos deputados da Assembleia da República teve eco na questão da criminalidade. A celeridade do processo é uma acção que os representantes do povo querem ver consolidada. Sobre essa questão, a procuradora também emitiu seu juízo de valor. “Entendemos a necessidade de dar celeridade aos processos, mas a questão processual não segue a vontade das pessoas, depende de crimes e da complexidade daí resultantes. Se não tivermos em conta as especificidades de cada caso, corremos o risco de prender inocentes e fazer ruir todo um trabalho”. Neste sentido, Beatriz Buchili pediu paciência aos deputados.
Confrontada pelos deputados sobre a não inclusão de infracções relativas ao branqueamento de capitais, Buchili disse que havia oito processos sobre a matéria. Abordou a perseguição e assassínios de albinos, tendo defendido que não era uma acção exclusiva aos órgãos de justiça, mas de toda a sociedade. “A PGR fará a sua parte, levando os criminosos à barra do tribunal. Mas insistimos na necessidade da prevenção, o que implica a consciencialização dos cidadãos”.

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