segunda-feira, 19 de junho de 2017

O “insignificante” senso da realidade

EDITORIAL-

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O semanário “Canal de Moçambique” fez manchete com aquilo que se tornou o mais recente escândalo de despesismo público, numa alegada época de crise e de suposta contenção de custos. São 17 viaturas da marca “Mercedes Benz” topo de gama com que o Conselho da Administração da Assembleia da República decidiu mimosear os 17 deputados pertencentes à Comissão Permanente.
Ciente dos custos de imagem que isso lhe iria causar, e depois da ainda fresca a borrada do quarto de hotel, Verónica Macamo, bem à moda de Pilatos, desta vez lavou as mãos e chutou a bola para o Ministério das Finanças, como sendo responsável pela escandaleira. Não deixa de ficar claro que o Ministério das Finanças não adivinhou que os deputados queriam “Mercedes”.
Ao chutar a bola para as bandas do Ministério das Finanças, Verónica Macamo não se desresponsabiliza.
É preciso dizer que este expediente tem muito requinte de falta de transparência, porque foi orquestrado pela clique directiva do Conselho da Administração, a mesma que não viu problemas em manter um deputado, Younusse Amad, num hotel, por dois anos e três meses, ou seja, a justificação de que o assunto é com o Ministério das Finanças não iliba a Assembleia da República, até porque é conhecido o lado esbanjador dos gestores daquela casa.
Mas o que mais salta à vista, neste caso, é o acordo de pares entre a Frelimo, a Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique. Um casamento perfeito entre as actuais aves de rapina e os aspirantes. Não deixa de ser curioso que a oposição, que tinha de denunciar esse esbanjamento todo, calou o bico, porque iria beneficiar das viaturas. A mesma oposição, que canta aos quatro ventos que há despesismo no Estado, já não consegue ver despesismo quando temos de pagar mais de 100.000 dólares só por uma viatura.
A Renamo e o MDM, enquanto partidos da oposição, que deviam concentrar-se na fiscalização de actuações desviantes dos detentores do poder do Estado, acabam de prestar um mau serviço aos cidadãos, mostrando que não se pode contar com esses partidos como alternativa para a moralização do Estado.
Se acham normal criticar o despesismo e depois fazem fila para receber viaturas que representam um verdadeiro insulto às privações e à racionalidade do povo, então a própria oposição tem graves “deficits” de moral e, por isso mesmo, não passa de aspirantes a cultores da insensibilidade e da falta de vergonha.
O silêncio cúmplice de Ivone Soares, chefe da bancada parlamentar da Renamo, e de Lutero Simango, chefe da bancada parlamentar do MDM, quando todo esse processo estava a ser tramitado, não deixa de ser estranho e de colocar em causa a agenda desses dois partidos da oposição que, na hora do tacho, juntam-se à Frelimo, para se constituírem em verdadeira oposição contra o povo e contra as aspirações deste.
Ao constituírem um conluio para a aquisição daquelas viaturas, a Renamo e o MDM concordam que o povo seja transportado no “my love” e concordam que morra gente por falta de paracetamol, concordam que a esmagadora maioria dos sacrificados funcionários públicos recebem a indigente quantia de 500,00 meticais como aumento salarial.
Na verdade, ao andar naquelas sumptuosas viaturas, quer a Renamo, quer o MDM, subscrevem a actual política de agressão ao povo e de insulto à mais básica premissa da dignidade humana colectiva.
E por falar em insulto à dignidade colectiva, o director nacional do Orçamento, que agora exerce o cargo de porta-voz do Ministério das Finanças, Rogério Nkomo, tratou de dissipar qualquer dúvida sobre a falácia que é o argumento da crise. Depois de se ter recusado a prestar-nos esclarecimentos, quando o contactámos, Rogério Nkomo decidiu vir dar explicações logo que publicámos a matéria, e fê-lo em termos que chocaram a opinião pública. Rogério Nkomo declarou que o valor usado para a compra dos Mercedes é absolutamente “insignificante” para aquilo que é o Orçamento do Estado.
Por ter dito o que disse, Rogério Nkomo foi contemplado com vários epítetos e dos mais desprestigiantes possíveis. Mas é nosso entendimento que o director nacional do Orçamento não é nada mais, nada menos do que o coeficiente da política da falta de sentido da realidade.
Essa política para a qual, para além dos dirigentes e da sua vasta lista de benefícios, não existe mais nada.
Portanto, Rogério Nkomo é apenas produto dessa política de violência psicológica que, em mais de 40 anos de Independência, produziu como sua maior criação, a par do roubo desenfreado, os “my love”.
A indignação contra Rogério Nkomo está a ser servida com alguma dose de raiva, mas peca por não tentar compreender Rogério Nkomo. É um pecado original de análise debitar toda a raiva contra Rogério Nkomo sem perceber o ecossistema que permitiu o florescimento de “sumidades” como o director do Orçamento.
É preciso compreender que Rogério Nkomo gere o Orçamento do Estado. Ele tem, mais do que ninguém, a perfeita noção daquilo sobre o que está a falar. É director do Orçamento desde os tempos de Guebuza. Em matéria de números com que se cose o nosso Orçamento, Rogério Nkomo é especialista.
Para dirigir com sucesso um país totalmente a saque, onde a falta de vergonha e de sensibilidade se tornou instrumento de trabalho, precisa-se de um especialista como Rogério Nkomo. É um cidadão absolutamente desfasado da realidade.
Ganha um salário chorudo, compra pão fora do país, trata da saúde fora do país e, provavelmente, nem dorme no país. A única coisa que aproveita do país é o dinheiro do Estado.
Pedir a um cidadão desses para que seja sensível para com as reais necessidades da população é insultá-lo.
Rogério Nkomo não mentiu, é preciso que se diga. De facto, 228 milhões de meticais para um cidadão da dimensão de Rogério Nkomo são apenas trocos. Rogério Nkomo vem, desde há muito tempo, a brincar com notas. Desde os tempos do “gang” do Manuel Chang e de Guebuza, Rogério Nkomo já era director nacional do Orçamento.
A realidade de Rogério Nkomo não é a mesma que todos nós andamos aí a equacionar. Rogério Nkomo é um cidadão estrangeiro que, tal como a generalidade dos dirigentes deste país, vive na estratosfera da insensibilidade e respira o ozono da violência contra o povo.
Debitar zanga contra Rogério Nkomo é inútil e não resolve o problema.
Devemos é perguntarmo-nos como é que permitimos que os “Nkomos” desta vida sejam eles a guardar o dinheiro do povo. Fomos nós que permitimos que, em mais de 40 anos de Independência, em vez de criar um país, criámos “Nkomos”. E este Nkomo não é definitivamente o culpado. (Canalmoz/ Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 19.06.2017

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